Ángel J. CAPPELLETTI
Publicado em
Polémica, n.º 26, dezembro de 1986
Por uma
curiosa coincidência – que na verdade não o é– os historiadores liberais e
marxistas insistem em chamar o que se passou na Espanha durante os anos de 1936
e 1939 de “a guerra civil”, e dão uma interpretação basicamente idêntica ao
sentido daqueles dramáticos acontecimentos.
Para os liberais, se trata de uma luta, crucial para os destinos do país
e do mundo, entre a república democrática e a reação fascista; para os
marxistas, se trata de umatentativa de estabelecer uma democracia parlamentar
que seria o antecedente de um futuro (remoto) Estado socialista, combatido a
sangue e fogo pela aristocracia de proprietários, pelo capitalismo
internacional, pelo clero e pelos militares, com a ajuda da Alemanha de Hitler
e da Itália de Mussolini.
Os
fascistas, por sua vez, falam de uma “cruzada” e, às vezes, avatares
semânticos, de uma “guerra de liberação nacional”.
Se nos
recusamos aesta última interpretação, que não deixa de ser válida como
descrição das intenções dos “rebeldes” [fascistas], já que toda “cruzada” supõe
o propósito de impor “a cruz” sobre um povo, isto é, a denominação ideológica
(e política) da Igreja Católica, é preciso esclarecer a insuficiência da
hermenêutica liberal-marxista. O acontecido na Espanha durante aquele triênio
não foi simplesmente uma guerra entre republicanos e monarquistas, entre
democratas e totalitários, entre liberais-socialistas e falangistas, mas algo
muito mais profundo e transcendente: uma revolução social.
Surgida por
ocasião do levante de militares facciosos, esta revolução, que vinha se
engendrando desde 1931 (e desde ainda muito antes), comportava uma
transformação radical das estruturas econômicas e sociais, a instauração de uma
sociedade sem propriedade privada, sem classes e sem Estado. Seus protagonistas
foram os trabalhadores industriais, os mineiros, os camponeses assalariados ou
minifundiários e, em geral, os trabalhadores de todas as regiões da Espanha.
Poucos
intelectuais participaram dela, ainda que alguns aderissem mais tarde a seus
projetos. O lumpen, que tanto falangistas como comunistas insistem em apresentar
como os atores do gesto revolucionário, não fizeram senão seguir – às vezes por
mero oportunismo, às vezes por desespero heroico – o impulso criador dos
trabalhadores.
O motor
“político”, por assim dizer, foi sem dúvida a Conferación Nacional delTrabajo (CNT). Houve também pequenos
núcleos marxistas que coincidiram com os anarquistas e anarco-sindicalistas e
aderirammais ou menos plenamenteao projeto revolucionário (grupúsculos do PSOE,
marxistas independentes, comunistas anti-stalinistas do POUM), mas é evidente
que nada puderam fazer frente aos planos do governo republicano – socialistas e
Partido Comunista - sem a chama acesa e a vibrante atividade da CNT.
Graças a
esta o enfrentamento com os militares fascistas e com a Igreja reacionária se
converteu numa verdadeira revolução social, em que pese a grande indignação dos
republicanos burgueses, socialistas e comunistas.
A tese do
Partido Comunista, formado por trabalhadores de colarinho branco, pequenos
rentistas, burocratas e intelectuais pagos pelo Kremlin, eram as seguintes:
1. É preciso
vencer o fascismo em armas com um exército profissional e bem disciplinado (com
seus respectivos generais e marechais ao estilo Stalin). Trotski, organizador
do exército soviético, escreveu em seu livro As Origens do Exército Vermelho: “As vantagens de uma organização e
uma estratégia centralizadas se põem tão rápida e claramente manifestas que os
princípios fundamentais de organização do Exército Vermelho são efetivamente
indiscutíveis”.(Cfr. H. Abosch, Crónica
de Trotski, Barcelona 1974, p. 72).
2. A meta
política é o estabelecimento de uma república parlamentar e a instauração de
uma democracia representativa. É preciso construir um Estado que assegure a
liberdade de imprensa, o laicismo e a educação popular.
3. De
maneira alguma se deve aspirar a uma coletivização massiva e, sobretudo, é
preciso evitar que os sindicatos e as agrupações de trabalhadores e camponeses
tomem em suas mãos a direção das fábricas e daexploração agrícola. “A
consolidação da republica burguesa” era o lema proclamado pelo Partido
Comunista. Consideravam que disso dependia o futuro do socialismo na Espanha.
Deste modo, compreende-se
facilmente porque os socialistas reformistas e republicanos estavam encantados
com os comunistas. Estes haviam se deixado vencer pelo “bom senso” burguês.
“Passo a passo e ordenadamente” parece um mote sensato – e talvez o seja – mas
a história demonstra que é um mote contraproducente quando se está lançado num
contexto e numa situação revolucionárias.
Os bolcheviques
já haviam adotado, com Lenin, este mote, organizando um exército profissional –
e, portanto, feudal – alienando o poder dos sovietes num onipotente
Politboreau. O que poderia ter sido o primeiro país socialista do mundo se
converteu num gigantesco império tecno-burocrático (cuja analogia histórica
mais próxima parece encontrar-se no milenar mandarinato chinês) e gerou uma
nova e lamentável espécie de capitalismo de Estado (Cfr. A. Guillén, El Capitalismo Soviético: Última Etapa del Imperialismo, Madrid,
1979).
Este
programa, aconselhado tanto pela “prudência” reformista quando pelos interesses
da Rússia de Stalin, deu lugar a uma luta sem quartel contra os anarquistas e a
CNT, e também contra o POUM (errônea e maliciosamente qualificado como “trotskista”
pela ortodoxia stalinista).
Os
burocratas comunistas – como Comorera, em Barcelona – colocaram toda classe de
obstáculos ao trabalho revolucionário da CNT; a divisão de Lister saqueava as
coletividades anarquistas de Aragón, etc. Em maio de 1937 organizaram uma
incursão de extermínio contra o POUM, que Orwell descreve magistralmente em sua
Homenagem à Catalunha.
Não poucos
anarquistas, como o brilhante periodista e escritor italiano Camilo Berneri
foram também assassinados. Os comunistas numericamente insignificantes, porém
muito disciplinados e hábeis em intriga política, haviam logrado, com o apoio
da União Soviética (que não entregava armas à República e menos ainda aos
Sindicatos, mas somente ao Partido, por intermédio de um sinistro personagem
chamado Ostrowski) dominar efetivamente o Governo central. Negrín e seus
acólitos lhes serviam como testa de ferro. (Cfr. Gastón Leval, Ne Franco Ne Stalin, Milán, 1952).
A imprensa
comunista, apoiada por boa parte da imprensa republicana e socialista, desatou
uma campanha de calúnias contra a CNT e os anarquistas (campanha que, ademais,
tinha como ilustre precedente histórico o panfleto de Engels Os bakuninistas em ação). Enquantona
frente interna lutavamcontra republicanos burgueses, socialistas reformistas e
comunistas stalinistas, ena frente externa contra os fascistas– ao lado de homens
da cepa de Durruti e Cipriano Mera (Cfr. J. Llarch, La Muertede Durruti, Madrid, 1976; A. Proudhommeaux, Cahiersde Terre Libre, 1937) -, a CNT, a
FAI e os anarquistas realizaram entre 1936 e 1939 a mais profunda experiência
revolucionária de nosso século (Cfr. Vernon Richards, Enseñanzasde laRevoluciónEspañola, Madrid, 1977) após o fracasso da
revolução russa, marcada pela derrota de Makhno
(Cfr. Voline, La RevoluciónDesconocida,
Buenos Aires) e pelo extermínio dos marinheiros eoperários anarquistas de
Kronsdadt, por obra de Lenin e Trotski (Cfr. Emma Goldman, Living My Life; D. Guérin, NiDiosNiAmo,
Madrid, 1977, 11. p. 166 ss.).
Esta
revolução social tendia a instaurar o único socialismo “real” e possível, aquele
que põe a direção da economia nas mãos dos produtores, aquele que atribui todo poder ao povo
trabalhador, sem mediações políticas e sem manipulações burocráticas (Cfr.
AnatolGorelik, CómoConcibenlos
Anarquistas laRevolución Social, Barcelona, 1936). E, no entanto, tanto a
imprensa “democrática” e “socialista”, quanto a literatura acadêmica parecem
esquecer ou minimizar o alcance da mesma, isso quando não a consideram como um
feito anti-histórico (Cfr. E. Lister, NuestraGuerra,
París, 1966).
Como disse
muito bem Noam Chomsky: “Nas recentes obras de História, esta revolução
essencialmente anarquista, que conduziu a uma importante mudança social, é
tratada como uma espécie de aberração, um irritante contratempo que impedia a
vitoriosa consecução da guerra e a proteção do regime burguês ameaçado pela
rebelião franquista” (American Power
andthe New Mandarins, 1969, p. 65).
Em que
consistiu concretamente esta revolução e quais foram suas bases ideológicas?
Quais foram suas metas e em que medida foram alcançadas? “Em 1930 – recorda
Frank Mintz – publicou-se um livro que seria o respaldo ideológico do
anarquismo espanhol e que o Comitê Nacional da CNT mandou traduzir. Era do anarco-sindicalista francês Pedro
Besnard, Les Syndicats Ouvriers et la
Revolution Sociale. O autor descrevia a tomada das indústrias pelos
sindicatos e sua gestão federalista (La AutogestiónenlaEspañaRevolucionaria,
Madrid, 1977, p. 46). O esquema que reproduzimos adiante segue como o do
próprio Mintz: Indústria: “Comitês de oficinas, conselhos de fábrica, sindicato
trabalhador da indústria, uniões locais e regionais; federações nacionais e
internacionais da indústria; conselho econômico do trabalho”. Cada organismo
“será revogável a cada momento pelasassembleias ou congressos”. Agricultura:
(granjeiros e arrendatários) “Deve-se esforçar para fazê-los compreender a
necessidade da exploração comum e coletiva”. “Deste modo, somente restariam
duas formas de explorações agrícolas: as explorações coletivas e as explorações
artesanais”. A supressão da herança fará desaparecer por completo a segunda
categoria ao cabo de uma geração”. Intercâmbio internacional: “Permuta e
pagamento em moeda”. “O ouro não será mais do que um meio, um instrumento de
avaliação e nada mais”. Intercâmbios nacionais: “Conhecemos bastante as
distorções do dinheiro para continuar utilizando-o nos intercâmbios. A
distribuição se fará com a apresentação da carteira de trabalho ou de
individualidade. (Os preços serão invariáveis e se avaliarão na antiga moeda e
não haverá “pagamento real”, será um “jogo de letras”). Conclusão: “Não venham,
sobretudo, por incapacidade ou preguiça afirmar outra vez, como se tem feito
até agora, que o improviso bastará para tudo e que é inútil prever”. Não
faltaram, por certo, entre os mesmos militantes espanhóis da CNT expositores
claros e lúcidos das bases ideológicas da revolução social e dos planos e meios
orgânicos para sua realização prática. Citemos, como exemplo, o médico Isaac
Puente e o periodista Diego Abad de Santillán (Cfr. F. Mintz, op. cit. p.
48-49). O primeiro deles “refutava em oito pontos os prejuízos do comunismo
libertário; apresentava um quadro comparativo da organização política e da
organização sindical em onze pontos”. Para ele, “o comunismo libertário é a
organização da Sociedade sem Estado e sem propriedade particular. Para isto não
havia necessidade de se inventar nada, nem de se criar nenhum organismo novo.
Os núcleos de organização, ao redor dos quais se organizará a vida econômica
futura, estão já presentes na sociedade atual: são o Sindicato e o Município
Livre” (El comunismo libertario, 1932, p. 6). Santillán, por sua vez, expunha assim
sua visão do caminho a percorrer, cuja vantagem era, como disse Mintz, “que
racionalizando a sociedade tal como era, e a força do exemplo convencendo os
demais, se instauraria o comunismo libertário sem maiores obstáculos”: “Há
diversas organizações de trabalhadores na Espanha; todas devem contribuir com a
reconstrução da economia e todas se deve ter seu posto mantido. A revolução não
reutiliza nenhum aporte neste terreno; logo fora da produção e da distribuição
equitativa, obra de todos e para todos, cada qual propiciará a forma de
convivência social que melhor lhe agrade; da mesma maneira não negaremos o
direito à fé religiosa aos que a possuam, bem como sua ostentação (El Organismo Económico de laRevolución,
Barcelona, 1936, p. 33). É certo que, como assinalaMintz, estas idéias
(sobretudo as referentes à livre associação e a liberdade de religião) não
foram muito respeitadas pelos anarquistas, mas isso foi muito mais fruto da
paixão provocada pela luta de classes, do que consequência dos planos e
programas da CNT.
Vejamos, por
exemplo, o que aconteceu numa das regiões onde menos se enraizou o impulso
revolucionário anarquista e anarco-sindicalista, isto é, em Castela. Comecemos
pelo campo, onde desde 1931 haviam triunfado os partidos de direita (Cfr.
Richard A. H. Robinson, Los Orígenes de
laEspañaDe Franco, Barcelona, 1974, p. 85, 131 sgs.). Um mês antes do final
da guerra e do triunfo fascista havia ali umas 240 coletividades agrárias, que
compreendiam 22.664 famílias (José Luis Gutiérrez Molina, ColectividadesLibertarias enCastilla, Madrid, 1977, p. 26). Nestas
coletividades o afiliado “entrava com todos seus pertences, as colocava no
fundo comum da coletividade” e “se alguém desejasse retirar-se, por norma geral,
poderia levar aquilo que trouxe no momento de seu ingresso e que constava no
livro de registro da coletividade” (Ibid. pág. 28). “Uma das maiores aspirações
era a desaparição do salário, e no lugar cada coletivista, às vezes, tinha
direito a uma série de produtos e uma retribuição familiar. Por exemplo, na
coletividade de Dos Barrios, na Província de Toledo, os solteiros recebiam 32
pesetas, e os casados 45, acrescentando 15 pesetas por filho que trabalhava e
uma por filho que não trabalhava. Os anciões e inválidos recebiam 12 pesetas.
Quanto aos filhos das viúvas, a retribuição era igual a dos filhos dos casados.
Os órfãos tinham oportunidade de acolher-se em uma casa-colégio fundado pela coletividade;
caso contrário, recebiam 15 pesetas. E assim, com escassas diferenças, o mesmo acontecia
em todas as localidades onde existia uma coletividade”. (Ibid. p. 28) (Cfr.
MacarioRoyo, CómoImplantamos el Comunismo
LibertarioenMas De LasMatas-Bajo Aragón, Barcelona 1934). Estes
empreendimentos autogestionários – contra o que a prudência burguesa previa e
contra o que os comunistas esperavam – foram sumamente eficientes e, em meio a guerra e de toda sorte de dificuldades,
entre as quais não era a menor delas a surda oposição do Governo de Madrid,
aumentaram notavelmente a produção. Para citar um exemplo, entre os tantos
possíveis: a coletividade do povo castelhano de Tielmes de Tajuña (fundada em
17 de dezembro de 1936), cujos membros haviam trazido “tudo o que tinham; os
pequenos proprietários, suas terras, suas sementes, suas ferramentas, seus
produtos, seu dinheiro!; os pobres de solenidade, seus braços e seu bom desejo
de buscar uma vida menos conturbada que a anterior” alcança em 1937 uma
colheita muito superior a do ano anterior, que compreendeu 2.500 sacas de
cevada, 1.500 de trigo, 800 de aveia, 60.000 kg de batatas, 30.000 de feijão,
75.000 de azeite, 80.000 de azeitonas e 6.000 arrobas de vinho. As hortaliças colhidas
sobem para 100.000 repolhos, 130.000 pimentas, 110.000 tomates, 40000
couves-flores e a fruta de 1.000 maçãs, 300 peras e 40 ameixas”... (Ibid. p.
29-30).
Augustín
Souchy estudou as coletividades aragonesas em seu livro Entre losCampesinos de Aragón (Barcelona, 1937).Eloquentes cifras
poderiam ser tiradas das coletividades agrárias de Catalunha, Valencia, etc.
Basta recordar que as únicas divisas que ingressariam na República entre 1936 e
1939 provinham das frutas cítricas exportadas pelas coletividades em levante.
Como referir-se, sem ocupar dezenas de páginas, ao funcionamento da indústria
autogestionária nas mãos da CNT? Que dizer, por exemplo, dos telefones e
ferrovias de Barcelona, jamais tão eficientemente manejadas como quando os
próprios trabalhadores assumiram seu comando? (Cfr. W. Tauler, LesTramways de Barcelona, 1936-1939,
Ginebra, 1975). Que dizer das fábricas cujos trabalhadores, majoritariamente
anarco-sindicalistas, levaram ao seu mais alto grau de produtividade em Tarasa,
em Sabadell, e em todos os povoados industriais da Catalunha? (Cfr. Gastón
Leval, ColectividadesLibertarias enEspaña,
Madrid, 1977). Limitamo-nos a citar alguns parágrafos de Daniel Guérin(transcrito
por Juan Gómez Casas em seu Historia del
Anarco-Sindicalismo Español, Madrid, 1969): “Em outubro de 1936 celebrou-se
em Barcelona um congresso sindical em que se faziam representados 600.000
trabalhadores, cujo objetivo era estudar a socialização da indústria. A
iniciativa operária foi institucionalizada por um decreto do governo catalão,
fechado em 29 de outubro de 1936 que, ainda que reconhecendo o fato consumado,
introduziu na autogestão um controle governamental. Criaram-se dois setores, um
socialista, outro privado. Estavam socializadas as indústrias com mais de 100
trabalhadores. As demais indústrias com 50 a 100 trabalhadores podiam ser
socializadas mediante petição de três quartos de seus trabalhadores, e do mesmo
modoas indústrias cujos proprietários haviam sido declarados facciosos por um
tribunal popular, ou que haviam abandonado sua exploração. Por fim, havia as
indústrias cuja importância dentro da indústria nacional justificava que fossem
tomadas pelo setor privado. De fato, grande quantidade de industrias
deficitárias foram socializadas”. “A fábrica em regime de autogestão era
dirigida por um comitê composto de cinco a quinze membros nomeados pelos
trabalhadores em assembleia geral, com mandado de dois anos, a metade dos quais
se renovava a cada ano. O comitê designava um diretor que delegava seus poderes
no todo ou em partes. Nas empresas muito importantes o nomeamento deveria ser
aprovado pelo organismo de controle. Por outro lado, um observador do governo
era designado diretamente em cada comitê de gestão. Já não se tratava de uma
autogestão integral, mas melhor dizendo, de uma cogestãoem íntimocontato com o
Estado”. “O Comitê de gestão podia ser revogado tanto pela assembleia geral,
quanto pelo Conselho Geral do ramo da indústria, composto por quatro
representantes dos comitês de gestão, oito dos sindicatos trabalhadores e
quatro técnicos nomeados pelo organismo de controle. Este Conselho geral
planificava o trabalho e fixava a repartição dos benefícios. Suas decisões
tinham caráter executivo”. “O decreto de 24 de outubro de 1936 foi um
compromisso entre a aspiração à gestão autônoma e a tendência à tutela estatal,
e ao mesmo tempo uma transição entre o capitalismo e o socialismo. Foi redigido
por um ministro libertário e aceito pela CNT, desde que alguns dirigentes
anarquistas participavam do Estado. Se dispunham eles mesmos de recursos
estatais de ação, como poderiam negar-se a ingerência do Estado na autogestão?
Uma vez introduzido no rebanho, o lobo termina, pouco a pouco, tornando-se
dono”. Este tipo de autogestão limitada, análoga a que iria se instaurar na Iugoslávia
e na China de Mao, sem embargo, não satisfez a maioria dos trabalhadores
anarco-sindicalistas. “Aqui já se demarcava – diz Gómez Casas – a oposição
paulatina que se estabeleceria entre os comitês responsáveis da Confederação,
respaldados por acordos orgânicos, em posição colaboracionista, e a ação
revolucionária construtiva de base”.
Esta ação
revolucionária conduziu, não obstante, a uma autogestão mais autêntica em
muitas indústrias e centros fabris, solucionou alguns dos gravíssimos problemas
que a instauração do regime autogestionário frequentemente suscita (como a
superação do particularismo, que estabelece desníveis entre coletividades ricas
e pobres), reorganizou profissões inteiras, fechando pequenas indústrias
improdutivas. Na Catalunha, por exemplo, segundo dados de Guérin, as fundições
se reduziram de 70 para 24; os curtumes de 71 para 40; as vidrarias de uma
centena para trinta. Mas este processo também foi obstaculizado por comunistas
stalinistas e socialistas reformistas, que se opunham ao confisco de bens da
pequena burguesia e mostravam um respeito religioso pela propriedade privada.
Em termos gerais, e ainda contando com as limitações e obstáculos assinalados,
a coletivização obteve um êxito graças a força combativa dos trabalhadores
anarco-sindicalistas. Diz Guérin: “Do mesmo modo que havia acontecido no setor
agrário, a autogestão industrial foi um êxito notável. As testemunhas
presenciais não economizavam elogios, sobretudo no que concerne ao bom funcionamento
dos serviços públicos em regime de autogestão. Um número considerável de
empresas, se não todas, foram dirigidas de maneira notável. A indústria
socialista trouxe uma contribuição decisiva à guerra antifascista. O pequeno
número de indústrias de armamento construídas na Espanha antes de 1935 ficavam
fora da Catalunha: com efeito, a classe patronal não confiava no proletariado
catalão. Na região de Barcelona foi preciso reconverter urgentemente as
fábricas para colocá-las a serviço da defesa republicana. Trabalhadores e técnicos
rivalizaram em ardor e em espírito de iniciativa. Prontamente começou a chegar
à frente de guerra material fabricado principalmente na Catalunha, pelas
indústrias da Guerra, na frente da qual estava o anarco-sindicalista Eugenio
Vallejo. Um esforço considerável se orientou também à fabricação de produtos
químicos indispensáveis à guerra. No terreno das necessidades civis a indústria
socializada não demonstrou menos audácia. Se lançou à transformação das fibras
têxteis, até então nunca praticada na Espanha, tratou o cânhamo, a fibra, a
palha de arroz e a celulose”.
Em termos
gerais, o processo revolucionário na Espanha de 1936-1939, pode assim ser
resumido: os governantes republicanos não consultaram as bases nem deram a
classe trabalhadora maior participação do que o voto. Inclusive a coletivização
foi uma decisão tomada de cima. Mas como bem disse Mintz, “se os líderes
escolhiam a aliança com a burguesia republicana e postergavam os anelos
anarquistas, a base não se preocupava com esta orientação, o que explica a
aparição da autogestão apesar de tudo e de todos os chefes”.