sábado, 18 de outubro de 2014

1936-1939: Guerra Civil ou Revolução?


Ángel J. CAPPELLETTI
Publicado em Polémica, n.º 26, dezembro de 1986
Por uma curiosa coincidência – que na verdade não o é– os historiadores liberais e marxistas insistem em chamar o que se passou na Espanha durante os anos de 1936 e 1939 de “a guerra civil”, e dão uma interpretação basicamente idêntica ao sentido daqueles dramáticos acontecimentos.  Para os liberais, se trata de uma luta, crucial para os destinos do país e do mundo, entre a república democrática e a reação fascista; para os marxistas, se trata de umatentativa de estabelecer uma democracia parlamentar que seria o antecedente de um futuro (remoto) Estado socialista, combatido a sangue e fogo pela aristocracia de proprietários, pelo capitalismo internacional, pelo clero e pelos militares, com a ajuda da Alemanha de Hitler e da Itália de Mussolini.
Os fascistas, por sua vez, falam de uma “cruzada” e, às vezes, avatares semânticos, de uma “guerra de liberação nacional”.
Se nos recusamos aesta última interpretação, que não deixa de ser válida como descrição das intenções dos “rebeldes” [fascistas], já que toda “cruzada” supõe o propósito de impor “a cruz” sobre um povo, isto é, a denominação ideológica (e política) da Igreja Católica, é preciso esclarecer a insuficiência da hermenêutica liberal-marxista. O acontecido na Espanha durante aquele triênio não foi simplesmente uma guerra entre republicanos e monarquistas, entre democratas e totalitários, entre liberais-socialistas e falangistas, mas algo muito mais profundo e transcendente: uma revolução social.
Surgida por ocasião do levante de militares facciosos, esta revolução, que vinha se engendrando desde 1931 (e desde ainda muito antes), comportava uma transformação radical das estruturas econômicas e sociais, a instauração de uma sociedade sem propriedade privada, sem classes e sem Estado. Seus protagonistas foram os trabalhadores industriais, os mineiros, os camponeses assalariados ou minifundiários e, em geral, os trabalhadores de todas as regiões da Espanha.
Poucos intelectuais participaram dela, ainda que alguns aderissem mais tarde a seus projetos. O lumpen, que tanto falangistas como comunistas insistem em apresentar como os atores do gesto revolucionário, não fizeram senão seguir – às vezes por mero oportunismo, às vezes por desespero heroico – o impulso criador dos trabalhadores.
O motor “político”, por assim dizer, foi sem dúvida a Conferación Nacional delTrabajo (CNT). Houve também pequenos núcleos marxistas que coincidiram com os anarquistas e anarco-sindicalistas e aderirammais ou menos plenamenteao projeto revolucionário (grupúsculos do PSOE, marxistas independentes, comunistas anti-stalinistas do POUM), mas é evidente que nada puderam fazer frente aos planos do governo republicano – socialistas e Partido Comunista - sem a chama acesa e a vibrante atividade da CNT.
Graças a esta o enfrentamento com os militares fascistas e com a Igreja reacionária se converteu numa verdadeira revolução social, em que pese a grande indignação dos republicanos burgueses, socialistas e comunistas.
A tese do Partido Comunista, formado por trabalhadores de colarinho branco, pequenos rentistas, burocratas e intelectuais pagos pelo Kremlin, eram as seguintes:
1. É preciso vencer o fascismo em armas com um exército profissional e bem disciplinado (com seus respectivos generais e marechais ao estilo Stalin). Trotski, organizador do exército soviético, escreveu em seu livro As Origens do Exército Vermelho: “As vantagens de uma organização e uma estratégia centralizadas se põem tão rápida e claramente manifestas que os princípios fundamentais de organização do Exército Vermelho são efetivamente indiscutíveis”.(Cfr. H. Abosch, Crónica de Trotski, Barcelona 1974, p. 72).
2. A meta política é o estabelecimento de uma república parlamentar e a instauração de uma democracia representativa. É preciso construir um Estado que assegure a liberdade de imprensa, o laicismo e a educação popular.
3. De maneira alguma se deve aspirar a uma coletivização massiva e, sobretudo, é preciso evitar que os sindicatos e as agrupações de trabalhadores e camponeses tomem em suas mãos a direção das fábricas e daexploração agrícola. “A consolidação da republica burguesa” era o lema proclamado pelo Partido Comunista. Consideravam que disso dependia o futuro do socialismo na Espanha.
Deste modo, compreende-se facilmente porque os socialistas reformistas e republicanos estavam encantados com os comunistas. Estes haviam se deixado vencer pelo “bom senso” burguês. “Passo a passo e ordenadamente” parece um mote sensato – e talvez o seja – mas a história demonstra que é um mote contraproducente quando se está lançado num contexto e numa situação revolucionárias.
Os bolcheviques já haviam adotado, com Lenin, este mote, organizando um exército profissional – e, portanto, feudal – alienando o poder dos sovietes num onipotente Politboreau. O que poderia ter sido o primeiro país socialista do mundo se converteu num gigantesco império tecno-burocrático (cuja analogia histórica mais próxima parece encontrar-se no milenar mandarinato chinês) e gerou uma nova e lamentável espécie de capitalismo de Estado (Cfr. A. Guillén, El Capitalismo Soviético: Última Etapa del Imperialismo, Madrid, 1979).
Este programa, aconselhado tanto pela “prudência” reformista quando pelos interesses da Rússia de Stalin, deu lugar a uma luta sem quartel contra os anarquistas e a CNT, e também contra o POUM (errônea e maliciosamente qualificado como “trotskista” pela ortodoxia stalinista).
Os burocratas comunistas – como Comorera, em Barcelona – colocaram toda classe de obstáculos ao trabalho revolucionário da CNT; a divisão de Lister saqueava as coletividades anarquistas de Aragón, etc. Em maio de 1937 organizaram uma incursão de extermínio contra o POUM, que Orwell descreve magistralmente em sua Homenagem à Catalunha.
Não poucos anarquistas, como o brilhante periodista e escritor italiano Camilo Berneri foram também assassinados. Os comunistas numericamente insignificantes, porém muito disciplinados e hábeis em intriga política, haviam logrado, com o apoio da União Soviética (que não entregava armas à República e menos ainda aos Sindicatos, mas somente ao Partido, por intermédio de um sinistro personagem chamado Ostrowski) dominar efetivamente o Governo central. Negrín e seus acólitos lhes serviam como testa de ferro. (Cfr. Gastón Leval, Ne Franco Ne Stalin, Milán, 1952).
A imprensa comunista, apoiada por boa parte da imprensa republicana e socialista, desatou uma campanha de calúnias contra a CNT e os anarquistas (campanha que, ademais, tinha como ilustre precedente histórico o panfleto de Engels Os bakuninistas em ação). Enquantona frente interna lutavamcontra republicanos burgueses, socialistas reformistas e comunistas stalinistas, ena frente externa contra os fascistas– ao lado de homens da cepa de Durruti e Cipriano Mera (Cfr. J. Llarch, La Muertede Durruti, Madrid, 1976; A. Proudhommeaux, Cahiersde Terre Libre, 1937) -, a CNT, a FAI e os anarquistas realizaram entre 1936 e 1939 a mais profunda experiência revolucionária de nosso século (Cfr. Vernon Richards, Enseñanzasde laRevoluciónEspañola, Madrid, 1977) após o fracasso da revolução russa, marcada pela derrota de Makhno  (Cfr. Voline, La RevoluciónDesconocida, Buenos Aires) e pelo extermínio dos marinheiros eoperários anarquistas de Kronsdadt, por obra de Lenin e Trotski (Cfr. Emma Goldman, Living My Life; D. Guérin, NiDiosNiAmo, Madrid, 1977, 11. p. 166 ss.).
Esta revolução social tendia a instaurar o único socialismo “real” e possível, aquele que põe a direção da economia nas mãos dos produtores,  aquele que atribui todo poder ao povo trabalhador, sem mediações políticas e sem manipulações burocráticas (Cfr. AnatolGorelik, CómoConcibenlos Anarquistas laRevolución Social, Barcelona, 1936). E, no entanto, tanto a imprensa “democrática” e “socialista”, quanto a literatura acadêmica parecem esquecer ou minimizar o alcance da mesma, isso quando não a consideram como um feito anti-histórico (Cfr. E. Lister, NuestraGuerra, París, 1966).
Como disse muito bem Noam Chomsky: “Nas recentes obras de História, esta revolução essencialmente anarquista, que conduziu a uma importante mudança social, é tratada como uma espécie de aberração, um irritante contratempo que impedia a vitoriosa consecução da guerra e a proteção do regime burguês ameaçado pela rebelião franquista” (American Power andthe New Mandarins, 1969, p. 65).
Em que consistiu concretamente esta revolução e quais foram suas bases ideológicas? Quais foram suas metas e em que medida foram alcançadas? “Em 1930 – recorda Frank Mintz – publicou-se um livro que seria o respaldo ideológico do anarquismo espanhol e que o Comitê Nacional da CNT mandou traduzir. Era do anarco-sindicalista francês Pedro Besnard, Les Syndicats Ouvriers et la Revolution Sociale. O autor descrevia a tomada das indústrias pelos sindicatos e sua gestão federalista (La AutogestiónenlaEspañaRevolucionaria, Madrid, 1977, p. 46). O esquema que reproduzimos adiante segue como o do próprio Mintz: Indústria: “Comitês de oficinas, conselhos de fábrica, sindicato trabalhador da indústria, uniões locais e regionais; federações nacionais e internacionais da indústria; conselho econômico do trabalho”. Cada organismo “será revogável a cada momento pelasassembleias ou congressos”. Agricultura: (granjeiros e arrendatários) “Deve-se esforçar para fazê-los compreender a necessidade da exploração comum e coletiva”. “Deste modo, somente restariam duas formas de explorações agrícolas: as explorações coletivas e as explorações artesanais”. A supressão da herança fará desaparecer por completo a segunda categoria ao cabo de uma geração”. Intercâmbio internacional: “Permuta e pagamento em moeda”. “O ouro não será mais do que um meio, um instrumento de avaliação e nada mais”. Intercâmbios nacionais: “Conhecemos bastante as distorções do dinheiro para continuar utilizando-o nos intercâmbios. A distribuição se fará com a apresentação da carteira de trabalho ou de individualidade. (Os preços serão invariáveis e se avaliarão na antiga moeda e não haverá “pagamento real”, será um “jogo de letras”). Conclusão: “Não venham, sobretudo, por incapacidade ou preguiça afirmar outra vez, como se tem feito até agora, que o improviso bastará para tudo e que é inútil prever”. Não faltaram, por certo, entre os mesmos militantes espanhóis da CNT expositores claros e lúcidos das bases ideológicas da revolução social e dos planos e meios orgânicos para sua realização prática. Citemos, como exemplo, o médico Isaac Puente e o periodista Diego Abad de Santillán (Cfr. F. Mintz, op. cit. p. 48-49). O primeiro deles “refutava em oito pontos os prejuízos do comunismo libertário; apresentava um quadro comparativo da organização política e da organização sindical em onze pontos”. Para ele, “o comunismo libertário é a organização da Sociedade sem Estado e sem propriedade particular. Para isto não havia necessidade de se inventar nada, nem de se criar nenhum organismo novo. Os núcleos de organização, ao redor dos quais se organizará a vida econômica futura, estão já presentes na sociedade atual: são o Sindicato e o Município Livre” (El comunismo libertario, 1932, p. 6). Santillán, por sua vez, expunha assim sua visão do caminho a percorrer, cuja vantagem era, como disse Mintz, “que racionalizando a sociedade tal como era, e a força do exemplo convencendo os demais, se instauraria o comunismo libertário sem maiores obstáculos”: “Há diversas organizações de trabalhadores na Espanha; todas devem contribuir com a reconstrução da economia e todas se deve ter seu posto mantido. A revolução não reutiliza nenhum aporte neste terreno; logo fora da produção e da distribuição equitativa, obra de todos e para todos, cada qual propiciará a forma de convivência social que melhor lhe agrade; da mesma maneira não negaremos o direito à fé religiosa aos que a possuam, bem como sua ostentação (El Organismo Económico de laRevolución, Barcelona, 1936, p. 33). É certo que, como assinalaMintz, estas idéias (sobretudo as referentes à livre associação e a liberdade de religião) não foram muito respeitadas pelos anarquistas, mas isso foi muito mais fruto da paixão provocada pela luta de classes, do que consequência dos planos e programas da CNT.
Vejamos, por exemplo, o que aconteceu numa das regiões onde menos se enraizou o impulso revolucionário anarquista e anarco-sindicalista, isto é, em Castela. Comecemos pelo campo, onde desde 1931 haviam triunfado os partidos de direita (Cfr. Richard A. H. Robinson, Los Orígenes de laEspañaDe Franco, Barcelona, 1974, p. 85, 131 sgs.). Um mês antes do final da guerra e do triunfo fascista havia ali umas 240 coletividades agrárias, que compreendiam 22.664 famílias (José Luis Gutiérrez Molina, ColectividadesLibertarias enCastilla, Madrid, 1977, p. 26). Nestas coletividades o afiliado “entrava com todos seus pertences, as colocava no fundo comum da coletividade” e “se alguém desejasse retirar-se, por norma geral, poderia levar aquilo que trouxe no momento de seu ingresso e que constava no livro de registro da coletividade” (Ibid. pág. 28). “Uma das maiores aspirações era a desaparição do salário, e no lugar cada coletivista, às vezes, tinha direito a uma série de produtos e uma retribuição familiar. Por exemplo, na coletividade de Dos Barrios, na Província de Toledo, os solteiros recebiam 32 pesetas, e os casados 45, acrescentando 15 pesetas por filho que trabalhava e uma por filho que não trabalhava. Os anciões e inválidos recebiam 12 pesetas. Quanto aos filhos das viúvas, a retribuição era igual a dos filhos dos casados. Os órfãos tinham oportunidade de acolher-se em uma casa-colégio fundado pela coletividade; caso contrário, recebiam 15 pesetas. E assim, com escassas diferenças, o mesmo acontecia em todas as localidades onde existia uma coletividade”. (Ibid. p. 28) (Cfr. MacarioRoyo, CómoImplantamos el Comunismo LibertarioenMas De LasMatas-Bajo Aragón, Barcelona 1934). Estes empreendimentos autogestionários – contra o que a prudência burguesa previa e contra o que os comunistas esperavam – foram sumamente eficientes e, em  meio a guerra e de toda sorte de dificuldades, entre as quais não era a menor delas a surda oposição do Governo de Madrid, aumentaram notavelmente a produção. Para citar um exemplo, entre os tantos possíveis: a coletividade do povo castelhano de Tielmes de Tajuña (fundada em 17 de dezembro de 1936), cujos membros haviam trazido “tudo o que tinham; os pequenos proprietários, suas terras, suas sementes, suas ferramentas, seus produtos, seu dinheiro!; os pobres de solenidade, seus braços e seu bom desejo de buscar uma vida menos conturbada que a anterior” alcança em 1937 uma colheita muito superior a do ano anterior, que compreendeu 2.500 sacas de cevada, 1.500 de trigo, 800 de aveia, 60.000 kg de batatas, 30.000 de feijão, 75.000 de azeite, 80.000 de azeitonas e 6.000 arrobas de vinho. As hortaliças colhidas sobem para 100.000 repolhos, 130.000 pimentas, 110.000 tomates, 40000 couves-flores e a fruta de 1.000 maçãs, 300 peras e 40 ameixas”... (Ibid. p. 29-30).
Augustín Souchy estudou as coletividades aragonesas em seu livro Entre losCampesinos de Aragón (Barcelona, 1937).Eloquentes cifras poderiam ser tiradas das coletividades agrárias de Catalunha, Valencia, etc. Basta recordar que as únicas divisas que ingressariam na República entre 1936 e 1939 provinham das frutas cítricas exportadas pelas coletividades em levante. Como referir-se, sem ocupar dezenas de páginas, ao funcionamento da indústria autogestionária nas mãos da CNT? Que dizer, por exemplo, dos telefones e ferrovias de Barcelona, jamais tão eficientemente manejadas como quando os próprios trabalhadores assumiram seu comando? (Cfr. W. Tauler, LesTramways de Barcelona, 1936-1939, Ginebra, 1975). Que dizer das fábricas cujos trabalhadores, majoritariamente anarco-sindicalistas, levaram ao seu mais alto grau de produtividade em Tarasa, em Sabadell, e em todos os povoados industriais da Catalunha? (Cfr. Gastón Leval, ColectividadesLibertarias enEspaña, Madrid, 1977). Limitamo-nos a citar alguns parágrafos de Daniel Guérin(transcrito por Juan Gómez Casas em seu Historia del Anarco-Sindicalismo Español, Madrid, 1969): “Em outubro de 1936 celebrou-se em Barcelona um congresso sindical em que se faziam representados 600.000 trabalhadores, cujo objetivo era estudar a socialização da indústria. A iniciativa operária foi institucionalizada por um decreto do governo catalão, fechado em 29 de outubro de 1936 que, ainda que reconhecendo o fato consumado, introduziu na autogestão um controle governamental. Criaram-se dois setores, um socialista, outro privado. Estavam socializadas as indústrias com mais de 100 trabalhadores. As demais indústrias com 50 a 100 trabalhadores podiam ser socializadas mediante petição de três quartos de seus trabalhadores, e do mesmo modoas indústrias cujos proprietários haviam sido declarados facciosos por um tribunal popular, ou que haviam abandonado sua exploração. Por fim, havia as indústrias cuja importância dentro da indústria nacional justificava que fossem tomadas pelo setor privado. De fato, grande quantidade de industrias deficitárias foram socializadas”. “A fábrica em regime de autogestão era dirigida por um comitê composto de cinco a quinze membros nomeados pelos trabalhadores em assembleia geral, com mandado de dois anos, a metade dos quais se renovava a cada ano. O comitê designava um diretor que delegava seus poderes no todo ou em partes. Nas empresas muito importantes o nomeamento deveria ser aprovado pelo organismo de controle. Por outro lado, um observador do governo era designado diretamente em cada comitê de gestão. Já não se tratava de uma autogestão integral, mas melhor dizendo, de uma cogestãoem íntimocontato com o Estado”. “O Comitê de gestão podia ser revogado tanto pela assembleia geral, quanto pelo Conselho Geral do ramo da indústria, composto por quatro representantes dos comitês de gestão, oito dos sindicatos trabalhadores e quatro técnicos nomeados pelo organismo de controle. Este Conselho geral planificava o trabalho e fixava a repartição dos benefícios. Suas decisões tinham caráter executivo”. “O decreto de 24 de outubro de 1936 foi um compromisso entre a aspiração à gestão autônoma e a tendência à tutela estatal, e ao mesmo tempo uma transição entre o capitalismo e o socialismo. Foi redigido por um ministro libertário e aceito pela CNT, desde que alguns dirigentes anarquistas participavam do Estado. Se dispunham eles mesmos de recursos estatais de ação, como poderiam negar-se a ingerência do Estado na autogestão? Uma vez introduzido no rebanho, o lobo termina, pouco a pouco, tornando-se dono”. Este tipo de autogestão limitada, análoga a que iria se instaurar na Iugoslávia e na China de Mao, sem embargo, não satisfez a maioria dos trabalhadores anarco-sindicalistas. “Aqui já se demarcava – diz Gómez Casas – a oposição paulatina que se estabeleceria entre os comitês responsáveis da Confederação, respaldados por acordos orgânicos, em posição colaboracionista, e a ação revolucionária construtiva de base”.
Esta ação revolucionária conduziu, não obstante, a uma autogestão mais autêntica em muitas indústrias e centros fabris, solucionou alguns dos gravíssimos problemas que a instauração do regime autogestionário frequentemente suscita (como a superação do particularismo, que estabelece desníveis entre coletividades ricas e pobres), reorganizou profissões inteiras, fechando pequenas indústrias improdutivas. Na Catalunha, por exemplo, segundo dados de Guérin, as fundições se reduziram de 70 para 24; os curtumes de 71 para 40; as vidrarias de uma centena para trinta. Mas este processo também foi obstaculizado por comunistas stalinistas e socialistas reformistas, que se opunham ao confisco de bens da pequena burguesia e mostravam um respeito religioso pela propriedade privada. Em termos gerais, e ainda contando com as limitações e obstáculos assinalados, a coletivização obteve um êxito graças a força combativa dos trabalhadores anarco-sindicalistas. Diz Guérin: “Do mesmo modo que havia acontecido no setor agrário, a autogestão industrial foi um êxito notável. As testemunhas presenciais não economizavam elogios, sobretudo no que concerne ao bom funcionamento dos serviços públicos em regime de autogestão. Um número considerável de empresas, se não todas, foram dirigidas de maneira notável. A indústria socialista trouxe uma contribuição decisiva à guerra antifascista. O pequeno número de indústrias de armamento construídas na Espanha antes de 1935 ficavam fora da Catalunha: com efeito, a classe patronal não confiava no proletariado catalão. Na região de Barcelona foi preciso reconverter urgentemente as fábricas para colocá-las a serviço da defesa republicana. Trabalhadores e técnicos rivalizaram em ardor e em espírito de iniciativa. Prontamente começou a chegar à frente de guerra material fabricado principalmente na Catalunha, pelas indústrias da Guerra, na frente da qual estava o anarco-sindicalista Eugenio Vallejo. Um esforço considerável se orientou também à fabricação de produtos químicos indispensáveis à guerra. No terreno das necessidades civis a indústria socializada não demonstrou menos audácia. Se lançou à transformação das fibras têxteis, até então nunca praticada na Espanha, tratou o cânhamo, a fibra, a palha de arroz e a celulose”.
Em termos gerais, o processo revolucionário na Espanha de 1936-1939, pode assim ser resumido: os governantes republicanos não consultaram as bases nem deram a classe trabalhadora maior participação do que o voto. Inclusive a coletivização foi uma decisão tomada de cima. Mas como bem disse Mintz, “se os líderes escolhiam a aliança com a burguesia republicana e postergavam os anelos anarquistas, a base não se preocupava com esta orientação, o que explica a aparição da autogestão apesar de tudo e de todos os chefes”.



TRADUÇÃO: JXPX

Anarco-sindicalismo em ligação Nº2





BAKUNIN E A PRIMEIRA INTERNACIONAL

A idéia de fundar uma associação que agrupasse todos os trabalhadores do mundo, acima de qualquer diferença de nacionalidade, língua, raça, cultura ou religião, parece ter ocorrido pela primeira vez a Flora Tristánem 1843, singular escritora franco-peruana descendente de um vice-rei – e segundo ela, também de um imperador inca – e avóde Gauguin. 

Joseph Déjacque, autor da primeira utopia anarco-comunista, L’Humanisphere, publica em 1855, em colaboração com Coeurduroy e outros, a declaração de princípios de uma associação internacional que, segundo Max Nettlau em sua obra Bakunin e a Internacional na Itália, proclama a negação absoluta de toda autoridade e de todo privilégio, o que equivale a dizer, a exigência ideal de uma sociedade sem classes e sem Estado.

“Todos estes ensaios, entretanto, fracassaram. As condições sociais e ambientais, a disparidade de critérios sem mais pontos de contato além do instrumento – uma organização internacional -, as dificuldades de deslocamento existente há um século atrás eram obstáculos difíceis de se vencer”, diz Victor Garcia (La Internacional Obrera, Madrid, 1977, p. 24)

Por ocasião da Exposição Universal um grupo de trabalhadores franceses dirige-se a Londres, onde entram em contato com os membros das Trade-Unions inglesas. Em setembro de 1864, voltam a se reunir no Saint Martin’s Hall, junto com delegados italianos, alemães e de outros países. Presidia-os Edward Beesley, bondosa e encantadora figura, então professor de história antiga da Universidade de Londres, homem radical e positivista (Isaiah Berlin, Karl Marx, Madrid, 1973, p. 220). Nesta reunião estavam os trade-unionistas socialistas-reformistas, os italianos mazzinianos e garibaldianos, os alemães sociais-democratas e marxistas e os franceses proudhonianos. Estes últimos (Tolain, Perrachon, Limousin) imprimiram seu entusiasmo proletário à reunião e forneceram o programa de sua própria organização como base da organização internacional que se estava fundando. Ainda que os anarquistas não fossem a maioria neste momento fundacional, eles souberam dotar a Associação com seu espírito, e assim a Internacional foi, desde o princípio, em que pese seus dirigentes moderados, anarquista.

É claro que, como adverte Nettlau, aqueles proudhonianos que concorreram à fundação da Associação Internacional não deixavam de ser moderados (pode-se dizer que formavam parte da direita proudhoniana), e é claro também que Marx desempenhou um papel cada vez mais importante no seio da mesma, como não deixa de reconhecê-lo com sua habitual nobreza, o próprio Bakunin, ao dizer: “Deixando de lado todas as vilanias que [Marx] vomitou contra nós, não poderíamos de nossa parte desconhecer, pelo menos eu, os grandes serviços à causa socialista desde há aproximadamente vinte e cinco anos. Indubitavelmente nos deixou a todos bem distante de si. É, além disso, um dos primeiros organizadores, se não o iniciador, da Sociedade Interacional. Em meu ponto de vista é um mérito enorme que eu reconhecerei para sempre, seja qual seja sua atitude perante nós.” (Michel Dragomanov, Correspondence de Michel Bakounine, Paris, 1896, p. 288, cit. por Victor Garcia). Mas, uma vez feito o balanço dos sucessivos congressos da Internacional, se verificará que ela foidefinitivamente favorável aos anarquistas (proudhonianos + bakuninistas + antiautoritários independentes).


O primeiro deles se reuniu em Genebra, de 3 à 6 de setembro de 1866. Neste Congresso, a principal discussão foi colocada em torno da condição de trabalhador manual que deveriam possuir os delegados: os franceses sustentavam a necessidade de que assim o fosse; os ingleses, por sua vez, queriam ampliar o conceito de trabalhador aos intelectuais, e admiti-los, portanto, como delegados nos próximos congressos da Associação. Predominou a primeira tese, desde que os franceses eram, ao lado dos suíços, maioria absoluta. No entanto, os franceses eram em sua maioria proudhonianos, seja de direita (Tolain), seja de esquerda (Varlin), e entre os suíços muitos também o eram.


O segundo congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores se reuniu também na Suíça, mas desta vez em Lausanne, em 2 de setembro de 1867. Também aqui predominaram os delegados suíços e franceses e, por consequência, os proudhonianos. 


O terceiro congresso tomou lugar em Bruxelas entre 6 e 13 de setembro de 1868. Neste momento é que Bakunin começa a fazer parte da Associação e a intervir diretamente em sua marcha. “Os proudhonianosseriam vencidos, como esperava Marx, mas não a seu favor, senão em favor de outra corrente, também anarquista, da qual Bakunin passaria a ser a figura mais destacada”, diz Victor Garcia (op. cit. p. 67). Na verdade, este terceiro congresso deve ser considerado, do ponto de vista do predomínio ideológico, como de transição entre o mutualismo proudhoniano e o coletivismo bakuninista. É preciso recordar, como dizGuillaume, que “desde julho de 1868 Bakunin se fez admitir como membro na seção de Genebra”.

O quarto congresso da Internacional tomou lugar na cidade de Basiléia, a partir de 6 de setembro de 1869. A delegação numericamente mais forte era a francesa, seguida de perto pela suíça. Nas diversas discussões e particularmente na que se desenvolveu em torno da propriedade da terra, os proudhonianos saíram derrotados, mas os marxistas também. A corrente predominante era agora a coletivista bakuninista. A guerra franco-prussiana tornou impossível a reunião do quinto congresso durante os anos de 1870 e 1871. Mas em 2 de setembro de 1872 logrou acontecer na cidade holandesa de Haya. 

Se trata de uma reunião decisiva na história da Internacional, desde que aqui se consumará o cisma entre marxistas e bakuninistas, entre autoritários e antiautoritários, entre centralistas e federalistas. As manobras de Marx e o jogo pouco limpo do Conselho Geral de Londres dirigido por este último, fizeram com que os italianos se abstivessem de enviar delegados, que os representantes da Suíça e Espanha, dois países com grande número de filiados, se reduzissem a cinco cada um e que, por sua vez, fez com que o mesmo Conselho Geral tivesse 20 delegados, e a Alemanha, único país onde dominavam os marxistas, 9. Assim, depois de ter conseguido que se rechaçasse uma justa e razoável proposta da delegação espanhola (de evidente maioria bakuninista), Marx e seus aliados obtiveram pela primeira vez o predomínio num congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores. Esse anelado predomínio significou a destruição da mesma. O congresso resolveu ampliar os poderes do Conselho Geral, atribuindo-lhe a função de “vigiar para que em cada país se apliquem estritamente os princípios, estatutos e regulamentos” e o direito de “suspender ramos, seções, conselhos ou comitês federais e federações da Internacional até o próximo congresso”. Além disso, consagrou-se a grande aspiração de Marx e Engels, que era a organização do proletariado de cada país em um partido político, indicandocomo o primeiro deverdas classes trabalhadoras a conquista do poder governamental.

Diz Victor Garcia: “Depois de oito anos de contínuas manobras, Marx lograva converter a Associação Internacional dos Trabalhadores em uma ferramenta para a conquista do poder. Na verdade, com tal acordo, totalmente incompatível com o espírito daqueles que fundaram a Internacional no Saint Martin’s Hall em 1864, o que fazia era desferir o golpe de misericórdia naquilo que havia sido a maior promessa do proletariado de todos os tempos” (op. cit. p. 98). O ataque de Marx “acabou com a separação de Bakunin e seus sequazes das filas da Internacional”, como diz I. Berlin (Karl Marx, p. 231). Mas também com o fim da Internacional. Conseguindo que a sede do Congresso Geral fosse trasladada à Nova York, do outro lado do oceano, Marx conseguiu finalmente sua vitória pírrica: impor-se à Bakunin custou o fim da Internacional. De fato, os acontecimentos imediatos e a história falaram em favor de Bakunin. Te m razão Cole quando assinala “que o grande debate entre Marx e Bakunin no Congresso de Haya terminou, em que pese as decisões tomadas em Haya, muito mais a favor de Bakunin do que de Marx” (cit. por Victor Garcia).

Por outro lado, as manobras turvas dos marxistas provocaram um reagrupamento de todos os antiautoritários e serviu para criar neles uma consciência mais clara de suas próprias decisões doutrinárias e de sua identidade libertária dentro do movimento proletário e do socialismo.

Bakunin, que não pôde concorrer pessoalmente ao Congresso de Haia, constituiu o polo positivo dos novos congressos que os internacionalistas antiautoritários convocaram em seguida.

O primeiro deles tomou lugar em Saint Imier, poucos dias depois de encerrado o de A Haia; ali os delegados espanhóis, somados aos italianos, franceses, russos e até alguns norte-americanos resolveram repudiar as conclusões deste último congresso e, com autêntico espírito bakuninista e antimarxista, declararam, primeiramente, “que a destruição de todo poder político é o primeiro dever do proletariado”, e logo depois, “que toda organização pretensamente provisória e revolucionáriado poder político a fim trazer esta destruição não pode ser senão um engano e seriatão perigoso para o proletariado quanto todos os governos que existem hoje”.

Este congresso deve ser considerado, apesar dos historiadores não o fazerem, como o sexto congresso da Internacional. O seguinte, o sétimo, tomou lugar em Genebra, em 1873, e aqui a influência ideológica de Bakunin é tão clara como no anterior. Quando seu triunfo estava consolidado, não obstante, por motivos de saúde, Bakunin decide renunciar à Internacional e retirar-se da vida pública. Profundamente desalentado pela reação antiproletária na França, Alemanha, e em quase toda Europa, crê que a revolução e o socialismo se distanciaram indefinidamente no horizonte do tempo.

No entanto, seus seguidores não estão desalentados. Sempre à sombra de Bakunin, reúne-se o oitavo congresso da Internacional (o sétimo para a maioria dos historiadores) em Bruxelas, de 7 à 13 de setembro de 1874. Neste congresso, contudo, volta a surgir, a propósito da organização dos serviços públicos, o problema do papel do Estado na futura sociedade socialista, e, contra os bakuninistas puros, que eram sem dúvida a maioria, o delegado belga Cesar de Paepe propõe uma fórmula intermediária que supõe que o Estado conserva algumas funções pedagógicas e administrativas.

O nono (ou oitavo) congresso tomou lugar em Berna, entre 26 e 29 de outubro de 1876. Aqui o bakuninismo começa a declinar diante do alavancamento socialdemocrata, ainda sem deixar de contar com uma influência predominante. O décimo (nono) e último congresso se realizou em Verviers, Bélgica, de 6 à 8 de setembro de 1877. E aqui o socialismo antiautoritário se impôs absolutamente nas discussões e resoluções. Dos vinte delegados que concorreram não se pode dizer que havia um único que em maior ou menor medida não poderia chamar-se de bakuninista. Ali estava, com efeito, Kropotkin, González Morago, James Guillaume, Paul Brousse, Andrea Costa, etc. O Congresso resolveu, entre outras coisas, não estabelecer distinção alguma entre os partidos políticos chamados socialistas e os que não são: “todos estes partidos, sem distinção, formam, em seu conceito, uma massa reacionária, e acredita-se que é um dever combatê-los a todos”. 

Todavia, o Congresso “espera que os trabalhadores que marcham nas filas destes diversos partidos, ensinados pela experiência histórica e pela propaganda revolucionária, abrirão os olhos e abandonarão a via política para adotar a do socialismo revolucionário”. Como diz M. Nettlau “esta vitória conduziu diretamente à consolidação espiritual de todos os elementos revolucionários, amantes da liberdade”. Bakunin, como se vê, se impõe até o último congresso da Primeira Internacional. E é a esta Primeira Internacional, a única autêntica, que todos os anarquistashojese remetem.

Ilya Eremburg, em seu discutido e muito discutível livro Espanha, República dos Trabalhadores, relata uma discussão travada num povoado andaluz em 1931 sobre a Internacional. Contra o veterinário socialista burguês, um paupérrimo camponês garante que não acredita senão na Primeira Internacional e que seu mestre é Bakunin.

Publicado em Polémica, n. 18, outubro 1985. 

[TRADUZIDO POR JXPX, 2014]

Anarco-sindicalismo em ligação Nº 1




SINDICALISTA
O Sindicalista distinguia-se da massa! Era um homem pensante, consciente, reto. De conduta ética e profissional exemplares, quase sempre dos melhores artistas em sua profissão. Coerente em suas idéias, no trabalho e no lar. Sem superstições e anticlerical. Estudioso da Sociologia e culto mesmo neste campo de conhecimento. Suas ambições não se restringiam a satisfação do estomago porque seu cérebro estava bem mais acima e além daquele órgão digestivo. Iam muito mais além; iam até ao bem estar geral, coletivo, propugnavam por uma igualdade social!
Quer a derrocada do Estado por ver nele um poderoso gerador de violências e vícios, do jogo, da chantagem, da corrupção do conforto, e, sobretudo do parasitismo das profissões e atividades.improdutivas,.inúteis,.nociva.ao. homem,.à.coletividade!
O Sindicalista repudia os vícios e distinguia-se pelo laço da gravata, conhecido em todo mundo operário por “laço à sindicalista”.

ANARCO-SINDICALISMO
Idéia Universal que tem como ponto alto a solidariedade humana. É doutrina e método de luta. Como doutrina, parte do elemento humano, célula componente de sociedade. Dentro deste prisma, prevê, entre suas múltiplas funções, a educação social, instrução e cultura até ao máximo da preparação artística, técnica e científica em ordem crescente, evolutiva, de modo que o indivíduo adquira todos os conhecimentos indispensáveis à boa formação física, psíquica, ambiental, sempre baseada na liberdade, na solidariedade e no apoio mútuo. Almeja uma sociedade de irmãos, dentro do harmônico e integral desenvolvimento das múltiplas energias e necessidades afetivas, intelectuais e sociais, partindo da criança ao adolescente, para o adulto, com vista a prepará-los para irradiar os males deformadores do caráter: o egoísmo; a luta diária pelo espaço vital; a guerra do dia-a-dia; o domínio do mais forte, mais inteligente ou mais audacioso, sobre o mais fraco, menos favorecido. 

É uma idéia que pretende ligar os homens emocionalmente pelo coração e associá-los voluntariamente por interesses comuns. A liberdade, responsabilidade e igualdade social são elementos da maior importância e de maior valia para o seu mundo. 

Como método de luta, pretende anulação do Estado, das leis e do Capitalismo. Sua força reside num conjunto de agrupamentos voluntários, ligados também voluntariamente em função da igualdade social. Propõe-se liquidar através da ação direta os males da sociedade burguesa, como realização prática e experimental – porque é permanentemente evolutivo – baseado em leis científicas, sociológicas, psicológicas até atingir o pleno desenvolvimento progressista de justiça social e alcançar pelo trabalho coletivo a igualdade de direitos, de deveres, de bem estar e atingir uma sociedade onde todos os seres humanos possam coexistir pacificamente, produzindo e usufruindo das riquezas naturais e do trabalho de todos em favor de todos.

SOLIDARIEDADE
Atitude, rasgo de lealdade – comportamento do proletariado em alto nível ético, ideológico e humanista.
Como solidariedade entende-se o auxilio econômico, político, ideológico e humano, no plano individual, familiar, de classes e coletivo: local, regional, nacional, universal. Na prática era exercida no lar, nos locais de trabalho, e nas associações de classe e destas irradiava para todos os cantos da Terra! Milhares de vezes o trabalhador se exercitou nesta virtude, ao recusar individualmente benefícios que deviam ser de todos. Preferindo a demissão para não prejudicar os companheiros, nas diversas atividades profissionais, opunha-se assim, a prática de injustiças silenciosamente. Dentro deste princípio, recusava a gorjeta quando prestava serviços, para exigir um pagamento justo; contribuía semanalmente com uma parcela de seu salário para auxiliar os companheiros desempregados e doente; nas greves de grande duração, ou durante a prisão de companheiros por delitos de idéias, formava comitês que chegavam a comprar bois, mata-los, para distribuir carne as famílias e aos trabalhadores, alem de outros alimentos; pagar o aluguel das residências e abrigar crianças no curso da luta, quando os pais estavam sendo caçados pela polícia. A solidariedade em forma de protesto levou honrados idealistas a entregar-se à prisão assumindo responsabilidades individuais ou coletivas por atos que as autoridades viam e entendiam como subversivos.

A Solidariedade Humana foi o mais nobre princípio seguido pelo proletariado na sua luta pela emancipação social. Belo gesto! Gesto nobre! Na prática da filosofia anarco-sindicalista!

AÇÃO.DIRETA
Quer dizer ação exercida pelos próprios operários pelos interessados. É o trabalhador quem se esforça por exercer pessoalmente sobre as forças que o dominam a pressão necessária para obter o que lhe é devido.

Pela Ação Direta o operário luta realmente, é ele quem dirige o conflito, decidido a não confiar a outrem a missão que só a ele compete resolver. 

AGITAÇÃO
No conceito sindicalista, prólogo de batalha. A exercitação do indivíduo pela palavra falada e escrita; pela resistência enérgica e pelas ações decisivas contra todos os obstáculos impostos pelos opressores. 

FONTE: ABC SO SINDICALISMO REVOLUCIONÁRIO – Edgar Rodrigues

OS PRINCÍPIOS DO SINDICALISMO REVOLUCIONÁRIO



1. O sindicalismo revolucionário, baseando-se na luta de classes, tende para a união de todos os trabalhadores através de organizações econômicas e de combate que lutem pela sua libertação do duplo jugo do Capital e do Estado. A sua finalidade consiste na reorganização da vida social, com base no Comunismo Libertário e mediante a própria ação revolucionária da classe trabalhadora. Considerando que apenas as organizações econômicas do proletariado são capazes de alcançar este objectivo, o sindicalismo revolucionário dirige-se aos trabalhadores, na sua qualidade de produtores e de criadores de riquezas sociais, para neles germinar e se desenvolver, opondo-se, assim, aos modernos partidos operários, os quais considera sem capacidade para uma reorganização econômica da sociedade.


2. O sindicalismo revolucionário é inimigo irreconciliável de todo o monopólio econômico e social, e tende para a sua abolição através da implantação de comunas econômicas e de órgãos administrativos geridos pelos trabalhadores dos campos e das fábricas, formando um sistema de conselhos livres, sem estarem subordinados nem a qualquer tipo de poder nem a qualquer partido político. O sindicalismo revolucionário ergue, contra a política do Estado e dos partidos, a organização econômica do trabalho, e ao governo do homem pelo homem opõe a gestão administrativa das coisas. Por conseguinte, não é sua finalidade a conquista dos poderes políticos, mas sim a abolição de toda a função estatal na vida da sociedade. O sindicalismo revolucionário considera que, com o desaparecimento do monopólio da propriedade, deve também desaparecer o monopólio da dominação, e que toda a forma de Estado, tenha ela a cor que tiver, nunca poderá ser um instrumento de libertação humana, antes pelo contrário, sempre será criador de novos monopólios e de novos privilégios.


3. O sindicalismo revolucionário tem uma dupla função a cumprir: por um lado, prosseguir a luta revolucionária quotidiana, cujo objectivo é o de melhorar as condições económicas, sociais e intelectuais da classe trabalhadora, dentro dos limites da sociedade atual; por outro lado, a de educar as massas, tornando-as capazes tanto de uma gestão independente no processo de produção e de distribuição, como de uma tomada de posse de todos os elementos da vida social. O sindicalismo revolucionário não aceita que a organização de um sistema social totalmente apoiado no produtor possa ser regulamentada por uns meros decretos governamentais; afirma, sim, que essa organização apenas poderá ser realizada através da ação comum de todos os trabalhadores, manuais e intelectuais, em cada ramo de indústria, através de uma gestão feita pelos próprios trabalhadores nos locais de trabalho, de modo a que cada agrupamento (fábrica ou ramo de indústria) seja um membro autônomo dentro do organismo econômico geral, organizando a produção e a distribuição segundo um plano determinado por meio de acordos mútuos que tenham em vista os interesses da comunidade.


4. O sindicalismo revolucionário opõe-se a todas as tendências de organização inspiradas no centralismo do Estado e da Igreja, uma vez que apenas servem para prolongar a própria vida do Estado e da autoridade e para sufocar sistematicamente o espírito de iniciativa e de independência de pensamento. O centralismo é a organização artificial que submete os chamados órgãos de base aos chamados órgãos de cúpula, colocando nas mãos de uma minoria a regulamentação de assuntos que dizem respeito a toda a comunidade e transformando o indivíduo num autônomo cujos gestos e movimentos são dirigidos. Na organização centralista, os valores da sociedade são submetidos aos interesses de apenas alguns, a variedade é substituída pela uniformidade, a responsabilidade pessoal por uma disciplina unânime. É por esta razão que o sindicalismo revolucionário assenta a sua concepção social numa ampla organização federalista, isto é, numa organização construída de baixo para cima, na união de todas as forças a partir de ideias e de interesses comuns.


5. O sindicalismo revolucionário recusa toda a atividade parlamentar e toda a colaboração com os órgãos legislativos, pois entende que nem mesmo o mais livre sufrágio poderá eliminar as evidentes contradições existentes no seio da sociedade atual e que o sistema parlamentar apenas tem um único objectivo: o de dar uma aparência de direito ao reino da mentira e das injustiças sociais.


6. O sindicalismo revolucionário recusa todas as fronteiras políticas e nacionais, arbitrariamente criadas, e declara que o chamado nacionalismo não passa da religião do Estado moderno, por detrás da qual se encobrem os interesses materiais das classes possidentes. O sindicalismo revolucionário não reconhece outras diferenças senão as de carácter econômico, regionais ou nacionais, e reclama para todo o agrupamento humano o direito a uma autodeterminação acordada, solidariamente, entre todas as outras associações do mesmo gênero.


7. É por idênticas razões que o sindicalismo revolucionário combate o militarismo e a guerra. O sindicalismo revolucionário recomenda a propaganda contra a guerra e a substituição dos exércitos permanentes, que são os instrumentos da contra-revolução ao serviço do capitalismo, por milícias operárias, as quais, durante a revolução, serão controladas pelos sindicatos operários; e exige, para além disso, o boicote e o embargo de todas as matérias-primas e produtos necessários para a guerra, exceptuando casos em que se trate de um país onde os trabalhadores estejam a fazer uma revolução de tipo social, já que, em tal situação, há que ajudá-los na defesa dessa revolução. Por último, o sindicalismo revolucionário recomenda também a greve geral preventiva e revolucionária como meio de ação contra a guerra e o militarismo.


8. O sindicalismo revolucionário reconhece a necessidade de organizar a produção de forma a não causar danos ao meio ambiente, reduzindo ao mínimo a utilização de recursos não renováveis, utilizando, sempre que possível, alternativas renováveis. O sindicalismo revolucionário identifica a procura do lucro, e não a ignorância, como a causa da atual crise do meio ambiente. A produção capitalista, para sobreviver, procura sempre conseguir lucros cada vez mais elevados, através da minimização dos custos, sendo incapaz de proteger o meio ambiente. Concretamente, a crise mundial da dívida externa acelerou a tendência para a produção agrícola comercial, em detrimento da agricultura de subsistência, o que provocou a destruição das selvas tropicais, a fome, as doenças. A luta para salvar o nosso planeta e a luta pela destruição do capitalismo ou são conjuntas ou fracassarão ambas.


9. O sindicalismo revolucionário afirma-se partidário da ação direta, e sustém e impulsiona todas as lutas que não estejam em contradição com as suas próprias finalidades. Os seus métodos de luta são: a greve, o boicote, a sabotagem, etc. A ação direta encontra a sua mais profunda expressão na greve geral, a qual deve igualmente ser, do ponto de vista do sindicalismo revolucionário, o prelúdio da revolução social.


10. Inimigo de toda a violência organizada, seja por que tipo de governo for, o sindicalismo revolucionário tem em conta que, durante as lutas decisivas entre o capitalismo de hoje e o comunismo livre de amanhã, se produzirão violentíssimos confrontos. Por conseguinte, aceita a violência que se possa usar como meio de defesa contra os métodos violentos que as classes dominantes hão-de pôr em prática, quando o povo revolucionário lutar pela expropriação das terras e dos meios de produção. Como esta expropriação só poderá ser iniciada e levada a cabo através da intervenção direta das organizações econômicas revolucionárias dos trabalhadores, a defesa da revolução deve igualmente encontrar-se nas mãos dos organismos econômicos e não nas mãos de uma organização militar, ou semelhante, que se desenvolva à margem deles.


11. É unicamente nas organizações econômicas e revolucionárias da classe trabalhadora que se encontra a força capaz de realizar a sua libertação e a energia criadora necessária para a reorganização da sociedade com base no comunismo libertário.