quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Os Anarquistas: A disciplina revolucionária dos makhnovistas

Diferente das correntes anarquistas ligadas a pequena-burguesia - a exemplo do individualismo. Diferente dos coletivos espontaneístas devorados por correntes autoritárias ou pela extrema direita, uma realidade concreta - O MAKHNOVISMO. A ação de um movimento camponês anarquista no sul da Ucrânia, altamente disciplinado por seu principal líder, o camponês anarquista Nestor Makhno, armou-se, derrotou o Exército Branco dos Capitalistas, desafiou os acordos do Exército Vermelho Bolchevista e implantou um sistema justo de distribuição de terras para os camponeses ucranianos. A garantia da posse da terra se confirmou por meio da declaração do Território Livre da Ucrânia, que instituiu decretos revolucionários, fazendo-se valer por meio da formação de um exército camponês anarquista, conhecido por toda Ucrânia como Exército Negro Insurgente Camponês da Ucrânia. De 1918 a 1921 defendeu o povo da ucrânia tanto dos capitalistas reacionário, quanto dos estatistas autoritários. O ano de 2021 lembraremos em nossas comemorações o Centenário esse avanço organizacional, teórico e prático, desenvolvido pela fortaleza inexpugnável do Anarquismo, o grande e revolucionário Nestor Makhno, a Comuna camponesa de Hulaipole e seu Exército Negro. O secretariado da Liga Sindical Operária e Camponesa declara 2021 como mais um ano de lembranças do seu legado e convoca e comemorações do centenário da gloriosa Makhnovitchina.



SOBRE A DISCIPLINA REVOLUCIONÁRIA 

Nestor Makhno 

Alguns camaradas me fizeram a seguinte pergunta: como é que eu entendo a disciplina revolucionária? Vou lhes responder. Compreendo a disciplina revolucionária como uma autodisciplina do indivíduo, estabelecida num coletivo atuante, de modo igual para todos, e rigorosamente elaborada. Ela deve ser a linha de conduta responsável dos membros desse coletivo, induzindo a um acordo estrito entre sua prática e sua teoria. Sem disciplina na organização, é impossível empreender qualquer ação revolucionária séria. Sem disciplina, a vanguarda revolucionária não pode existir, porque então ela se encontrará em completa desunião prática e será incapaz de formular as tarefas do momento, de cumprir o papel de iniciador que dela esperam as massas. Faço repousar esta questão sobre a observação e a experiência de uma prática revolucionária consequente. De minha parte, baseio-me sobre a experiência da revolução russa, que tinha um conteúdo tipicamente libertário sob muitos aspectos. Se os anarquistas estivessem firmemente ligados no plano organizativo e tivessem observado, em suas ações, uma disciplina bem determinada, não teriam jamais sofrido uma tal derrota. Mas, porque os anarquistas "de todo estilo e de todas as tendências" não representavam, mesmo em seus grupos específicos, um coletivo homogêneo, com uma disciplina de ação bem definida, não puderam suportar o exame político e estratégico que lhes impuseram as circunstâncias revolucionárias. A desorganização conduziu os anarquistas à impotência política, dividindo-os em duas categorias: •a primeira foi a dos que se dedicaram à sistemática ocupação das residências burguesas, nas quais se alojaram e viveram para o seu bem-estar. Eram os que eu chamo de turistas, os diversos anarquistas que vão de cidade em cidade, na esperança de encontrar um lugar onde permanecer algum tempo, espreguiçando-se e desfrutando o máximo possível de conforto e prazer. •a segunda se compunha dos que romperam todos os laços honestos com o anarquismo (ainda que alguns deles, na URSS, façam-se passar agora pelos únicos representantes do anarquismo revolucionário) e se lançaram sobre os cargos oferecidos pelos bolcheviques, no momento mesmo em que o poder fuzilava os anarquistas que permaneciam fiéis ao seu posto de revolucionários e denunciaram a traição dos bolcheviques. Diante desses fatos, compreende-se facilmente porque eu não posso continuar indiferente ao estado de despreocupação e negligência que existem atualmente em nossos meios. De uma parte, isso impede a criação de um coletivo libertário coerente, que permitirá aos anarquistas ocuparem o lugar que lhes cabe na revolução. Doutra parte, isso permite contentar-se com belas frases e grandes pensamentos, omitindo-se no momento de agir. Eis porque eu falo de uma organização libertária apoiada sobre o princípio duma disciplina fraternal. Uma tal organização conduzirá ao acordo indispensável de todas as forças vivas do anarquismo revolucionário e o ajudará a ocupar seu lugar na luta do Trabalho contra o Capital. Por esse meio, as ideias libertárias certamente ganharão as massas e não se empobrecerão. Somente os fanfarrões consumados e irresponsáveis fugirão diante de uma tal estrutura organizacional. A responsabilidade e a disciplina organizacionais não devem horrorizar: elas são companheiras de viagem da prática do anarquismo social.

 Dielo Trouda, n°s 7-8, dezembro de 1925 – janeiro de 1926.

sábado, 28 de novembro de 2020

Aqui estão soldados enterrados do Exército Vermelho a perecer nas mãos do Movimento de Makhno em 1919

 Honrando os feitos do Exército Negro Revolucionário Insurgente da Ucrânia (Makhnovists) - Estilo soviético. Esta foto da década de 1960 mostra um memorial na vila de Vozdvyzhivka, que apoiou ativamente os Makhnovists em 1918-1921 e fez parte da ′′ Região Anarquista Livre."

A inscrição diz: ′′Aqui estão soldados enterrados do Exército Vermelho a perecer nas mãos do Movimento de Makhno em 1919."

Antoni fundador do Sindicato dos Camponeses Pobres ao lado de Makhno

 “Quando voltei para minha aldeia, organizei um grupo revolucionário chamado União dos Camponeses Pobres e comecei a imprimir as proclamações. Como contra-ataque a nós, o policial Karachentsev organizou na aldeia a "Sociedade do Verdadeiro Povo Russo" em homenagem ao Arcanjo Gabriel. Os proprietários de terras locais e kulaks eram os ativistas dos "verdadeiros russos". Eles convocaram os camponeses para suas reuniões um por um e tentaram descobrir quem estava espalhando as proclamações. Um grupo se reuniu e decidimos que se não dispersássemos os "arcanjos", logo seríamos descobertos. Eles decidiram atear fogo a todos os proprietários de terras que eram membros da Sociedade do Povo Verdadeiro Russo e os kulaques mais ativos entre eles. Emitimos um ultimato, algo como: "Nós anunciamos a você - dissolva sua sociedade dos Cem Negros, vamos colocar fogo em todos os seus membros e até mesmo destruir." Eles certamente não prestou atenção a isso e começou a nos procurar com ainda mais energia. Logo as propriedades dos proprietários explodiram em chamas. "





Jornal Makhnovist A Estrada para a Liberdade anuncia a derrota e fuga do Exército Reacionário Branco



Impresso de ′′A Estrada para a Liberdade," órgão dos revolucionários da Ucrânia (Makhnovists), emissão não. 9 para quinta-feira, 16 de outubro de 1919. Foi a publicação principal da rede de imprensa Makhnovist.

′′Camponeses, trabalhadores e insurgentes camaradas: os nossos piores inimigos - os zolotopogonniki-denikinistas [oficiais do Exército Branco do general Denikin foram designados de forma irrisória pelas suas correias de ombros dourados (zolotopogonniki)] -- foram encaminhados, dispersos em várias direções e Impiedosamente perseguido pelo exército insurgente.
′′ Uma região enorme já foi libertada da contra-revolução."
′′ Temos de construir uma nova vida livre. Ninguém pode fazer isto por ti. Tomem conta de vocês mesmos para construir as vossas próprias vidas e a vossa própria liberdade. Você deve organizar imediatamente o seu próprio congresso de insurgente camponês para todo o território libertado.
′′ O Congresso lançará as bases para construir a sua vida livre.
′′ Viva o congresso regional e todo-ucraniano de camponeses, trabalhadores e seguros!"

IRMANDADE INTERNACIONAL DE BAKUNIN

Estatutos Secretos da Aliança: Programa e Objetivo da Organização Revolucionária dos Irmãos Internacionais (1868)

1. Os princípios desta organização são os mesmos que os do programa da Aliança Internacional de Democracia Socialista. Estão expostos de modo ainda mais explícito, em relação às questões da mulher, da família religiosa e jurídica, e do Estado, no programa russo da democracia socialista.


O departamento central prevê dar logo mais um desenvolvimento teórico e prático mais completo.

2. A Associação dos Irmãos Internacionais quer a revolução universal, social, filosófica, econômica e política, para que a ordem atual das coisas, baseada na propriedade, na exploração, na dominação e o princípio da autoridade – religiosa, ou metafísica e de modo burguês doutrinário, até jacobinamente revolucionária –, não fique em toda Europa, e logo no resto do mundo, nenhuma pedra sobre a outra, grito de paz aos trabalhadores, liberdade a todos oprimidos, e morte aos dominadores, exploradores, e aos tutores de todo tipo. Queremos destruir todos os Estados e todas as igrejas, com todas suas instituições e leis religiosas, políticas, jurídicas, financeiras, policiais, universitárias, econômicas e sociais, para que todos esses milhões de seres humanos pobres, enganados, avassalados, angustiados, explorados, sejam libertados de todos seus diretores e benfeitores oficiais, para que os indivíduos respirem enfim uma completa liberdade.

3. Convencidos de que o mal individual e social aparecem menos nos indivíduos do que na organização das coisas e nas posições sociais, seremos humanos, tanto por sentimento de justiça como por cálculo de utilidade, e destruiremos sem piedade as posições e as coisas para poder, sem perigo algum para Revolução, perdoar os homens. Negamos o livre arbítrio e o suposto direito da sociedade castigar[1]. A mesma justiça, tomada no sentido mais humano, mais amplo, é unicamente, por assim dizer, negativa e de transição. Ela assinala a única via possível da emancipação humana, ou seja, a humanização da sociedade pela liberdade e na igualdade. A solução positiva só poderá ser dada pela organização cada vez mais racional da sociedade. Esta solução tão desejada, o nosso ideal, é a liberdade, a moralidade, a inteligência e o bem-estar de cada um pela solidariedade de todos: a humana fraternidade.

Todo indivíduo humano é o produto involuntário de um meio natural e social que nasceu, desenvolveu-se e do qual segue recebendo influência. As três grandes causas de toda imoralidade humana são: a desigualdade tanto em âmbito político como econômico e social; a ignorância que é o resultado natural, e sua conseqüência necessária: a escravidão[2].

Sendo sempre e por qualquer organização da sociedade a única causa dos crimes cometidos pelos homens, é uma hipocrisia e um absurdo evidente por parte da sociedade castigar os criminosos, posto que cada castigo sugerido à culpa e ao criminoso nunca são culpáveis. A teoria da culpabilidade e do castigo provém da teologia, é do casamento do absurdo com a hipocrisia religiosa.

O único direito que se pode reconhecer à sociedade em seu estado natural de transição, é o direito natural de assassinar os criminosos produzidos por ela mesma em sua própria defesa; e não é para julgar e nem condenar. Esse direito nem se quer é uma aceitação da sua palavra; será antes um eixo natural, entristecedor, porém inevitável, firmado e produzido pela impotência e estupidez da sociedade atual; e quanto mais tentar evitar que a sociedade use tal direito, mais próximo estará da sua emancipação real. Todos os revolucionários, os oprimidos, as sofridas vítimas da organização atual da sociedade, cujos corações estão supostamente cheios de vingança e ódio, devem ter em mente que os reis, os opressores, os exploradores de todo tipo são tão culpados como os criminosos procedentes da massa popular: são delinqüentes, porém não culpados, dado que são também como os criminosos ordinários, produtos involuntários da organização atual da sociedade. Não haverá do que estranhar-se se desde o primeiro momento o povo rebelado mate muitos deles. Será uma desgraça inevitável e quem sabe, tão fútil como os estragos causados por uma tempestade.

Porém, esse eixo natural não será nem moral, nem se quer útil. A este respeito, a história esta cheia de lições: a terrível guilhotina de 1793 que não se pode acusar nem de que foi perigosa nem lenta, não logrou destruir a classe nobiliária na França. A aristocracia não foi completamente destruída, porém profundamente sacudida, não pela guilhotina, senão pela confiscação e pela venda de seus bens. E em geral, pode-se dizer que as matanças políticas nunca mataram os partidos; resultaram sem efeito contra as classes privilegiadas, por erradicar o poder muito menos nos homens que nas posições dadas aos homens privilegiados pela organização das coisas, ou seja, a instituição do Estado, e sua conseqüência tanto como sua base natural, a propriedade individual.

Para fazer uma revolução radical, é necessário atacar as posições e as coisas, destruir a propriedade e o Estado. E então, não se necessitará destruir os homens, e condensar a reação infalível e inevitável que nunca deixou e nunca deixará de produzir em cada sociedade: o massacre dos homens.

Porém, para ter o direito de ser humano para com os homens, sem perigo para revolução, haverá que ser cruel com as posições e as coisas; haverá que destruir tudo, sobretudo e ante toda a propriedade e sua inevitável conseqüência, o Estado. Este é todo o segredo da revolução.

Não há que se assustar se os jacobinos e os blanquistas que se converteram em socialistas antes por necessidade que por convicção, e para quem o socialismo é um meio e não o objetivo da Revolução, posto que querem a ditadura, ou seja a centralização do Estado e que o Estado os levará por uma necessidade lógica e inevitável à reconstituição de um Estado revolucionário poderosamente centralizado tenderá como resultado inevitável, como o provaremos mais tarde, à ditadura militar para um novo amo. Por conseqüência, o triunfo dos jacobinos e dos blanquistas será a morte da Revolução.

4. Somos os inimigos naturais dos revolucionários, futuros ditadores, regulamentadores e tutores da revolução, que inclusive antes de que estejam destruídos os Estados monárquicos, aristocráticos, e burgueses atuais, já têm o sonho da criação de Estados revolucionários novos, tão centralizadores e mais despóticos que os Estados que existem hoje em dia. Dizem que os revolucionários têm um grande costume de ordem criada por alguma autoridade que venha de cima e grande horror aos que lhe parecem desordens, que não são senão a franca e natural expressão da vida popular, que ainda antes de que seja produzido pela revolução uma boa e saudável desordem, já estão sonhando com o fim e o amordaçamento com a ação de alguma autoridade que de revolução só terá o nome, porém o efeito não será nada mais que uma nova reação dado que será já uma nova condição das massas populares, governadas por decretos, a obediência, a imobilidade, a morte, ou seja a escravidão e a exploração por uma nova aristocracia quase revolucionária.

5. Compreendemos a revolução no sentido do desencadeamento do que se chama hoje em dia das más paixões, e da destruição do que com o mesmo estilo se chama “o órgão público”.

Não tememos, pois invocamos a anarquia, convencidos que desta anarquia, ou seja, a manifestação completa da vida popular desencadeada, deve sair a liberdade, a igualdade, a justiça, a nova ordem, e a força mesma da Revolução contra a Reação. Esta vida nova – a revolução popular – não tardará sem dúvida alguma em se organizar, porém criará sua organização revolucionária de baixo pra cima e da circunferência até o centro, de acordo com o princípio da liberdade, e não de cima para baixo, nem do centro para a circunferência, de acordo com modelo de qualquer autoridade. Pouco nos importa que esta autoridade se chame Igreja, Monarquia, Estado constitucional, República burguesa, ou inclusive ditadura revolucionária. As detestamos e rechaçamos por igual, por ser fontes infalíveis de exploração e despotismo.

6. A revolução, tal como a entendemos, deverá desde o primeiro dia, destruir radical e completamente o Estado e todas as instituições do Estado. As conseqüências naturais e necessárias destas destruições serão:

a) A derrota do Estado;

b) O pagamento das dívidas privadas pela intervenção do Estado, deixando a cada devedor o direito de pagar as suas, se o desejar;

c) O pagamento de todos os tipos de impostos e da dedução de todas as contribuições, seja ela direta ou indireta;

d) A dissolução do exército, da magistratura, da burocracia, da polícia e das prisões;

e) A abolição da justiça oficial, a suspensão do quanto juridicamente se denominava direito, e do exercício desses direitos. Portanto, abolição e queima de todos os títulos de propriedade, atos de herança, venda, doação, todos os processos, em uma palavra, de todo o papel jurídico e civil. Por todas as partes e em tudo, o eixo revolucionário em lugar do direito criado e organizado pelo Estado;

f) A confiscação de todos os capitais produtivos e instrumento de trabalho a favor das associações de trabalhadores, que deverão fazê-las produzir coletivamente;

g) A confiscação de todas as propriedades da Igreja e do Estado assim como os metais preciosos dos indivíduos para a aliança federativa de todas as associações operárias, Aliança que constituirá a Comuna.

Em compensação pelos bens confiscados, a Comuna dará o suporte necessário a todos os indivíduos, que poderão mais tarde pelo seu próprio trabalho ganhar mais se puder e se quiser;

h) Para a organização da Comuna, a Federação das barricadas em permanência e a função de um Conselho da Comuna revolucionária pela delegação de um ou dois responsáveis por cada barricada, um pela rua ou bairro, responsáveis investidos de mandatos imperativos, sempre responsáveis e sempre revocáveis. Assim organizado o Conselho Comunal, poderá eleger seus comitês executivos, separados para cada ramo da administração revolucionária da Comuna.

i) Declaração da capital rebelada e organizada em Comuna depois de ter destruído o Estado autoritário e tutelar, o qual tinha o direito de fazer pelo seu escravo, como todas as outras localidades, renunciar ao seu direito, ou antes a qualquer pretensão de governar, de se impor às províncias.

k) Chamado a todas províncias, comunas, e associações, deixando-as todas seguir o exemplo dado pela capital de reorganizar-se revolucionariamente primeiro, e delegar logo, em um ponto de reunião, seus responsáveis, todos também, investidos de mandatos imperativos, responsáveis e revocáveis, para constituir a Federação das associações, comunas, e províncias rebeladas em nome dos mesmos princípios, e para organizar uma força revolucionária capaz de triunfar da reação. Envio não de mandatários revolucionários oficiais com todo tipo de medalhas, senão propagandistas revolucionários a todas as províncias e comunas, sobre tudo entre os camponeses que não poderão ser revolucionados nem pelos princípios, nem pelos decretos de alguma ditadura, senão unicamente pelo mesmo eixo revolucionário, ou seja, as conseqüências que produzirá a infalivelmente em todas as comunas o fim total da vida jurídica, oficial do Estado. Abolição do Estado nacional outra vez no sentido de que todo país estrangeiro, província, comuna, associação ou inclusive indivíduo isolado, que se havia levantado em nome dos mesmos princípios, serão recebidos na federação revolucionária sem preocupação pelas fronteiras atuais dos Estados e ainda que pertençam a sistemas políticos ou nacionais diferentes, e as próprias províncias, comunas, associações, indivíduos que tomem o partido da Reação estarão excluídos. É, portanto, pelo mesmo eixo da propagação e organização da revolução para a defesa mútua dos países rebelados como triunfará a universidade da revolução fundada na abolição das fronteiras e na ruína dos Estados.

7. Não pode haver revolução nem política, nem nacional, a menos que a revolução política se transforme em revolução social, e a revolução nacional, precisamente por seu caráter radicalmente socialista e destrutivo do Estado, se converta na revolução universal.

8. Dado que a revolução deverá fazer por todas as partes pelo povo, e posto que a suprema direção tem que ficar sempre no povo organizado em federação livre de associações agrícolas e industriais, o Estado revolucionário e novo, organizando-se de baixo pra cima pela via da delegação revolucionária e abrangendo a todos os países rebelados em nome dos mesmos princípios sem preocupação pelas velhas fronteiras e as diferentes nacionalidades, tenderá por objeto a administração dos serviços públicos e não o governo dos povos. Constituirá a nova pátria, a aliança de todas as reações.

9. Esta organização exclui qualquer idéia de ditadura e poder dirigente tutelar. Porém para a mesma realização desta aliança revolucionária e para o triunfo da revolução contra a reação, é necessário que em meio da anarquia popular que constituirá a vida mesma e toda a energia da revolução, a unidade de pensamento e da ação revolucionária forme um órgão. Esse órgão deve ser a associação secreta e universal dos Irmãos Internacionais.

10. Esta associação parte da convicção que as revoluções nunca as fazem, nem os indivíduos, nem se quer as sociedades secretas. Produzem-se por si mesmas, pela força das coisas, pelo movimento dos eventos e eixos. Se vão preparando durante muito tempo na profundidade da consciência instintiva das massas populares, logo explodem, suscitadas em aparências a geralmente por causas fúteis. Tudo o que pode fazer uma sociedade secreta bem organizada, é primeiro facilitar o nascimento de uma revolução, propagando entre as massas idéias que correspondam aos instintos das massas e organizar, no exército da revolução – o exército sempre deve ser o povo –, senão uma sorte de plano maior revolucionário composto de indivíduos entregues, energéticos, inteligentes, e, sobretudo amigos sinceros, nem ambiciosos, nem vaidosos, do povo, capazes de servir de intermédio entre a idéia revolucionária e os instintos populares.

11. O número desses indivíduos não deve, pois, ser imenso. Para a organização internacional em toda Europa, bastam cem revolucionários fortemente e seriamente aliados. Duas, três centenas de revolucionários bastarão para a organização de um país maior.

Mikhail Bakunin, 1868.

CATECISMO REVOLUCIONÁRIO DE NETCHAIEV E BAKUNIN

 CATECISMO REVOLUCIONÁRIO


PRINCÍPIOS GERAIS (5)

Negação da existência de um Deus real, extramundial, pessoal e, portanto, de qualquer revelação e de qualquer intervenção divina nos negócios do mundo e da humanidade. Abolição do serviço e do culto da divindade.

Substituindo o culto de Deus pelo respeito e o amor da humanidade, declaramos a razão humana como critério único da verdade; a consciência humana como base da justiça; a liberdade individual e coletiva como criadora única da ordem da humanidade.

A liberdade é o direito absoluto de todo homem ou mulher maiores de só procurar na própria consciência e na própria razão as sanções para seus atos, de determiná-los apenas por sua própria vontade e de, em conseqüência, serem responsáveis primeiramente perante si mesmos, depois, perante a sociedade da qual fazem parte, com a condição de que consintam livremente dela fazerem parte.

Não é verdadeiro que a liberdade de um homem seja limitada pela de todos os outros. O homem só é verdadeiramente livre na medida em que sua liberdade, livremente reconhecida e representada como por um espelho pela consciência livre de todos os outros, encontre a confirmação de sua extensão até o infinito na sua liberdade. O homem só é verdadeiramente livre entre outros homens igualmente livres, e como ele só é livre na condição de ser humano, a escravidão de um só homem sobre a terra, sendo uma ofensa contra o próprio princípio da humanidade, é uma negação da liberdade de todos.

A liberdade de cada um só se realiza, pois, com a igualdade de todos. A realização da liberdade na igualdade de direito e de fato é a justiça.

Existe apenas um dogma, uma única lei, uma única base moral para os homens, é a liberdade. Respeitar a liberdade do próximo é um dever; amá-lo, ajudá-lo, servi-lo é uma virtude.

Exclusão absoluta de qualquer princípio de autoridade e de razão de Estado – a sociedade humana, tendo sido primitivamente um fato natural, anterior à liberdade e ao despertar do pensamento humano, transformada mais tarde em fato religioso, organizada de acordo com o princípio da autoridade divina e humana, deve reconstituir-se, hoje, com base na liberdade, que deve ser de ora em diante o único princípio constitutivo de sua organização política e econômica. A ordem na sociedade deve ser resultante do maior desenvolvimento possível de todas as liberdades locais, coletivas e individuais.

A organização política e econômica da vida social deve partir, conseqüentemente, não mais como atualmente de cima para baixo e do centro para a circunferência, por princípio de unidade e de centralização forçadas, mas de baixo para cima e da circunferência para o centro, por princípio de associação e de federação livres.

ORGANIZAÇÃO POLÍTICA

É impossível determinar uma norma concreta, universal e obrigatória para o desenvolvimento interior e para a organização política das nações; ficando a existência de cada uma subordinada a uma série de condições históricas, geográficas e econômicas diferentes e que nunca permitirão estabelecer um modelo de organização, igualmente bom e aceitável para todas. Tal empreendimento, completamente desprovido de utilidade prática, traria expectativas em relação à riqueza e à espontaneidade da vida que se caracteriza pela diversidade infinita e, o que é mais importante, seria contrário ao próprio princípio da liberdade. Entretanto, há condições essenciais, absolutas, fora das quais a realização prática e a organização da liberdade serão sempre impossíveis.

Essas condições são as seguintes:

A abolição radical de qualquer religião oficial e de qualquer igreja privilegiada ou apenas protegida, paga e mantida pelo Estado. Liberdade absoluta de consciência e de propaganda para cada um, com a faculdade ilimitada de construir tantos templos quantos quiserem, aos seus deuses quaisquer que sejam, desde que paguem e mantenham os padres de sua religião.

As igrejas, consideradas como corporações religiosas, não gozarão de nenhum dos direitos políticos que serão atribuídos às associações produtivas, não poderão nem herdar, nem possuir bens em comum, exceto suas casas ou estabelecimentos religiosos, não podendo nunca se ocupar da educação de seus filhos, já que o único objetivo de sua existência é a negação sistemática da moral, da liberdade e a feitiçaria lucrativa.

Abolição da monarquia, república.

Abolição das classes, das categorias, dos privilégios e de todas as espécies de distinções. Igualdade absoluta de direitos políticos para todos, homens e mulheres; sufrágio universal.

Abolição, dissolução e bancarrota moral, política, judiciária, burocrática e financeira do Estado tutelar, transcendente, centralista, substituto e alter ego da Igreja, e, como tal, causa permanente de empobrecimento, de embrutecimento e de submissão dos povos. Como conseqüência natural: a abolição de todas as universidades do Estado, devendo o cuidado da instrução pública pertencer exclusivamente às comunas e às associações livres; abolição da magistratura do Estado, devendo todos os juízes ser eleitos pelo povo; abolição dos códigos criminais e civis atualmente em vigor na Europa porque todos, igualmente inspirados pelo culto de Deus, do Estado, da família religiosa ou politicamente consagrada e da propriedade, são contrários ao direito humano, e porque o código da liberdade só poderia ser criado para a liberdade. Abolição dos bancos e de todas as outras instituições de crédito do Estado. Abolição de toda administração central, de toda burocracia, dos exércitos permanentes e da polícia do Estado.

Eleição imediata e direta de todos os funcionários públicos, judiciários e civis, assim como dos representantes ou conselheiros nacionais, provinciais e municipais, pelo povo, isto é, pelo sufrágio universal de todos os indivíduos, homens e mulheres maiores.

Reorganização interna de cada país tomando-se como ponto de partida e como embasamento a liberdade absoluta dos indivíduos, das associações produtivas e dos municípios.

DIREITOS INDIVIDUAIS

Direito de cada um, desde o nascimento até a maioridade, de ser inteiramente mantido, fiscalizado, protegido, educado, instruído em todas as escolas públicas primárias, secundárias, superiores, industriais, artísticas e científicas à custa da sociedade.

Direito igual para todos de ser aconselhado e sustentado por esta última, na medida do possível, no começo da carreira que cada indivíduo maior escolherá livremente, após o que a sociedade, tendo-o declarado completamente livre, não exercerá mais sobre ele nenhuma vigilância nem autoridade de nenhuma espécie e, declinando em relação a ele de qualquer responsabilidade, lhe deverá apenas respeito e, eventualmente, a proteção de sua liberdade.

A liberdade de cada indivíduo maior, homem ou mulher, deve ser absoluta e completa, liberdade de ir e vir, de professar elevadamente todas as opiniões possíveis, de ser preguiçoso ou ativo, imoral ou moral, em suma, de dispor de sua própria pessoa e de seus bens como melhor lhe aprouver, sem dar satisfação a ninguém; liberdade de viver, seja honestamente pelo seu trabalho, seja explorando vergonhosamente a caridade ou a confiança privada, desde que esta caridade e esta confiança sejam voluntárias e só lhe sejam proporcionadas por indivíduos maiores.

Liberdade ilimitada de toda espécie de propaganda através do discurso, da imprensa, em reuniões públicas e privadas, tendo esta liberdade por limite apenas a força natural e salutar da opinião pública. Liberdade absoluta de associações, sem isentar aquelas que por sua finalidade parecerem imorais e mesmo aquelas que tiverem por objetivo a corrupção e a destruição (6) da liberdade individual e pública.

A liberdade só pode e só deve defender-se pela liberdade, sendo um perigoso contra-senso querer atacá-la sob o pretexto de protegê-la; e, como a moral não possui outra fonte, outro estímulo, outra causa, outro objetivo além da liberdade e como ela própria não é nada mais do que a liberdade, todas as restrições que se lhe impuseram com a finalidade de proteger a moral, sempre agiram em seu detrimento. A psicologia, a estatística e toda a história nos provam que a imoralidade individual e social sempre foi a conseqüência necessária de uma má educação pública e privada, da ausência e da degradação da opinião pública, que só existe, se desenvolve e se moraliza pela liberdade; e sobretudo a conseqüência de uma organização viciosa da sociedade. A experiência nos ensina, diz o ilustre estatístico Quetelet (7), que é sempre a sociedade que prepara os crimes e que os malfeitores são apenas os instrumentos fatais que os cometem. É, pois, inútil opor à imoralidade social os rigores de uma legislação que invadiria a liberdade individual.

A experiência nos ensina, ao contrário, que o sistema repressivo e autoritário, longe de ter sustentado os abusos, sempre os propiciou de modo mais amplo e profundo nos países atingidos e que a moral pública e privada sempre desceu e subiu à medida que a liberdade dos indivíduos diminuía ou aumentava. E que, por via de conseqüência, para moralizar a sociedade atual, devemos começar, antes de tudo, por destruir inteiramente toda esta organização política e social baseada na desigualdade, no privilégio, na autoridade divina e no desprezo da humanidade, e, depois de tê-la reconstruído sobre as bases da mais completa igualdade, da justiça, do trabalho e de uma educação racional unicamente inspirada no respeito humano, devemos dar-lhe a opinião pública por guardiã e, por alma, a liberdade mais absoluta.

Entretanto a sociedade não deve permanecer completamente desarmada contra os indivíduos parasitas, malfeitores e nocivos. Devendo ser o trabalho a base de todos os direitos políticos, a sociedade como uma província ou nação, cada qual na sua respectiva circunscrição, poderá privar (destes direitos) todos os indivíduos maiores que, não sendo nem inválidos, nem doentes, nem velhos, viverem à custa da caridade pública ou privada, com a obrigação de lhes restituir estes direitos assim que começarem a viver do seu próprio trabalho.

Sendo a liberdade de cada indivíduo humano inalienável, a sociedade não sofrerá se um indivíduo qualquer alienar juridicamente sua liberdade ou se a engajar, por contrato, a outro indivíduo de outra maneira que não seja a mais inteira igualdade e reciprocidade. Ele não poderá, contudo, impedir que um homem ou uma mulher, desprovidos de todo sentimento de dignidade pessoal, se coloquem por contrato em relação a um outro indivíduo, numa relação de servidão voluntária, mas os considerará como indivíduos que vivem da caridade privada e, portanto, destituídos do gozo dos direitos políticos, durante a duração desta servidão.

Todas as pessoas que tiverem perdido seus direitos políticos serão também privadas do direito de educar e conservar seus filhos. Em caso de infidelidade a um compromisso livremente contratado ou em caso de ataque aberto ou provado contra a propriedade, contra a pessoa e sobretudo contra a liberdade de um cidadão, seja autóctone ou estrangeiro, a sociedade infligirá ao delinqüente autóctone ou estrangeiro as penas determinadas por suas leis.

Abolição absoluta de todas as penas degradantes e cruéis, das punições corporais e da pena de morte, embora consagrada e executada pela lei. Abolição de todas as penas por tempo indeterminado ou muito longo e que não deixem nenhuma esperança, nenhuma possibilidade real de reabilitação, devendo o crime ser considerado como uma doença e a punição antes como uma cura do que como uma vingança da sociedade.

Todo indivíduo condenado pelas leis de uma sociedade qualquer, comuna, província ou nação conservará o direito de não se submeter à pena que lhe tiver sido imposta, declarando que não quer mais fazer parte desta sociedade. Mas neste caso a sociedade terá o direito de expulsá-lo de seu seio e de declará-lo fora de sua segurança e de sua proteção.

Voltando, assim, para a lei natural do olho por olho, dente por dente, ao menos no espaço ocupado por esta sociedade, o refratário poderá ser assaltado, maltratado e até assassinado sem que a sociedade se envolva. Todos poderão desfazer-se dele como de um animal selvagem, contudo jamais poderão submetê-lo nem utilizá-lo como escravo.

DIREITOS DE ASSOCIAÇÕES

As associações cooperativas operárias são um fato novo na história; assistimos hoje ao seu nascimento, e podemos apenas pressentir, mas não ainda determinar, o imenso desenvolvimento que, sem nenhuma dúvida, adquirirão e as novas condições políticas e sociais que surgirão no futuro. É possível e até provável que, ultrapassando um dia os limites das comunas e mesmo dos Estados atuais, dêem uma nova constituição à sociedade humana como um todo, dividida não mais em nações, mas em grupos individuais, e organizadas de acordo com as necessidades não da política, mas da produção. Isto diz respeito ao futuro.

Quanto a nós, só podemos colocar hoje este princípio absoluto: qualquer que seja seu objetivo, todas as associações, como todos os indivíduos, devem gozar de uma liberdade absoluta. Nem a sociedade, nem nenhuma parte da sociedade: comuna, província ou nação, tem o direito de impedir os indivíduos livres de se associarem livremente em um objetivo qualquer: religioso, político, científico, industrial, artístico ou até corrupto e de exploração de inocentes e de tolos, desde que não sejam menores.

Combater os charlatães e as associações perniciosas é tarefa que diz respeito unicamente à opinião pública. A sociedade, contudo, tem o dever e o direito de recusar a garantia social, o reconhecimento jurídico e os direitos políticos e cívicos a toda associação, como corpo coletivo, que, por seu objetivo, seus regulamentos, seus estatutos, for contrária aos princípios fundamentais de sua constituição e cujos membros não estejam em pé de igualdade e de reciprocidade perfeitas, sem contudo poder privar os próprios membros unicamente pelo fato de participarem de associações não regularizadas pela garantia social.

A diferença entre as associações regulares e irregulares será, pois, a seguinte: as associações juridicamente reconhecidas como entidades coletivas terão, por esta razão, o direito de perseguir perante a justiça social todos os indivíduos, membros ou estranhos, assim como todas as outras associações regulares, que tiverem faltado com seu compromisso em relação a elas. As associações juridicamente não reconhecidas não terão este direito enquanto entidades coletivas; também não poderão estar submetidas a nenhuma responsabilidade jurídica, devendo todos os seus empreendimentos ser considerados nulos aos olhos de uma sociedade que não sancionou sua existência coletiva, o que, entretanto, não poderá liberar nenhum de seus membros dos compromissos que tiverem assumido individualmente.

ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NACIONAL

A divisão de um país em regiões, províncias, distritos e comunas ou em departamentos e comunas, como na França, dependerá naturalmente dos hábitos históricos, das necessidades atuais e da natureza peculiar de cada país. Só pode haver dois princípios comuns e obrigatórios para cada país que quiser organizar seriamente a liberdade. O primeiro: toda organização deve proceder de baixo para cima, da comuna para a unidade central do país, o Estado, por via da federação. A segunda: deve haver entre a comuna e o Estado ao menos um intermediário autônomo: o departamento, a região ou a província. Sem o que, a comuna, tomada na acepção restrita do termo, seria demasiado frágil para resistir à pressão uniforme e despoticamente centralizadora do Estado, o que levaria cada país ao regime despótico da França monárquica, como tivemos por duas vezes o exemplo na França, tendo tido o despótico sempre sua origem muito mais na organização centralizadora do Estado do que nas disposições naturalmente sempre despóticas dos reis.

A base de toda organização política de um país deve ser a comuna, absolutamente autônoma, representada sempre pela maioria dos votos de todos os habitantes, homens e mulheres em igualdade de condições, maiores. Nenhum poder tem o direito de imiscuir-se em sua vida, em seus atos e em sua administração interna. Ela nomeia e destitui por eleição todos os funcionários: administradores e juízes, e administra sem controle os bens comunais e suas finanças. Cada comuna terá o direito incontestável de criar, independentemente de qualquer sanção superior, sua própria legislação e sua própria constituição. Entretanto, para entrar na federação provincial e para fazer parte integrante de uma província, deverá adequar sua carta (constituição) particular aos princípios fundamentais da constituição provincial e fazê-la sancionar pelo parlamento desta província. Deverá submeter-se também aos julgamentos do tribunal provincial e às medidas que, depois de terem sido sancionadas pelo voto do parlamento provincial, lhe forem ordenadas pelo governo da província. De outra forma, ela será excluída da solidariedade, da garantia e comunidade, permanecendo fora da lei provincial.

A província não deve ser nada mais do que uma federação livre de comunas autônomas. O parlamento provincial, compreendendo, seja uma única câmara composta de representantes de todas as comunas, seja duas câmaras, das quais uma compreenderia os representantes das comunas, a outra os representantes da população provincial inteira, independentemente das comunas, sem ingerir-se na administração interna das comunas, deverá estabelecer os princípios fundamentais que constituirão a carta provincial e serão obrigatórios (sic) para todas as comunas que quiserem participar do parlamento provincial (8).

Tomando os princípios deste catecismo como base, o parlamento codificará a legislação provincial em relação tanto aos deveres quanto aos direitos respectivos dos indivíduos, das associações e das comunas, quanto às penas que deverão ser impostas a cada um em caso de infração às leis por ele estabelecidas, deixando contudo às legislações comunais o direito de divergir da legislação provincial sobre pontos secundários, jamais nos fundamentais, cedendo à unidade real, viva, não à uniformidade, confiando, para formar uma unidade ainda mais íntima, na experiência, no tempo e no desenvolvimento da vida em comum, nas próprias convicções e necessidades das comunas, na liberdade, em suma, jamais na pressão nem na violência do poder provincial, pois a própria verdade e a justiça, violentamente impostas, tornam-se iniqüidade e mentira.

O parlamento provincial estabelecerá a carta constitutiva da federação das comunas, seus direitos e seus respectivos deveres, bem como seus direitos e deveres em relação ao parlamento, ao tribunal e ao governo provinciais. Votará todas as leis, disposições e medidas que serão ditadas, seja pelas necessidades da província inteira, seja pelas resoluções do parlamento nacional, sem jamais perder de vista a autonomia das comunas. Sem jamais se ingerir na administração interna das comunas, estabelecerá a parte de cada um, seja nos impostos nacionais, seja nos impostos provinciais. Esta parte será repartida na própria comuna por todos os habitantes válidos e maiores. Controlará, enfim, todos os atos, sancionará ou rejeitará todas as proposições do governo provincial, que será naturalmente sempre eletivo. O tribunal provincial, igualmente eletivo, julgará sem apelação todas as causas entre indivíduos e comunas, entre associações e comunas, entre comunas e comunas, e, em primeira instância, todas as causas entre a comuna e o governo ou o parlamento da província.

A nação deve ser apenas uma federação de províncias autônomas. O parlamento nacional, compreendendo, seja uma única câmara composta dos representantes de todas as províncias, seja duas câmaras, uma das quais compreenderia os representantes das províncias, a outra os representantes da população nacional inteira, independentemente das províncias, o parlamento nacional, sem ingerir-se de nenhum modo na administração e na vida política interna das províncias, deverá estabelecer os princípios fundamentais que constarão na constituição nacional e que serão obrigatórios para todas as províncias que quiserem participar do pacto nacional.

O parlamento nacional estabelecerá o código nacional, deixando aos códigos provinciais o direito de divergir nos pontos secundários, jamais na base. Estabelecerá a carta constitutiva da federação das províncias, votará todas as leis, disposições e medidas determinadas pelas necessidades da nação inteira, estabelecerá os impostos nacionais e os repartirá entre as províncias, deixando a estas o cuidado de reparti-los entre as respectivas comunas, controlará enfim todos os atos, adotará ou rejeitará as proposições do governo executivo nacional que será sempre eletivo e por prazo determinado, formará as alianças nacionais, fará a paz e a guerra, e só ele terá o direito de ordenar por um tempo sempre determinado a formação de um exército nacional. O governo será apenas o executor de suas vontades.

O tribunal nacional julgará sem apelação as causas dos indivíduos, das associações, das comunas entre si e da província, assim como todos os debates entre as províncias. Nas causas entre a província e o Estado, que serão igualmente submetidas a seu julgamento, as províncias poderão apelar ao tribunal internacional, quando este for estabelecido.

A FEDERAÇÃO INTERNACIONAL

A Federação Internacional compreenderá todas as nações que se tiverem unido sobre as bases acima e abaixo desenvolvidas. É provável e desejável que, quando a hora da grande revolução soar novamente, todas as nações que seguirem a luz da emancipação popular dar-se-ão a mão para uma aliança constante e íntima contra a coalizão dos países que se colocarão sob as ordens da reação. Esta aliança deverá formar uma federação primeiramente restrita, gérmen da federação universal dos povos que, no futuro, deverá abranger toda Terra. A federação internacional dos povos revolucionários com um parlamento, um tribunal e um comitê diretor internacionais, será naturalmente baseada nos próprios princípios da revolução. Aplicados à política internacional esses princípios são:

Cada país, cada nação, cada povo, pequeno ou grande, fraco ou forte, cada região, cada província, cada comuna tem o direito absoluto de dispor de sua sorte, de determinar sua própria existência, de escolher suas alianças, de unir-se e de separar-se, de acordo com suas vontades e necessidades, sem nenhuma vinculação com os assim chamados direitos históricos ou as necessidades políticas, comerciais ou estratégicas dos Estados. A união das partes em um todo, para ser verdadeira, fecunda e forte, deve ser absolutamente livre; deve resultar unicamente das necessidades locais internas e da atração mútua das partes, atração e necessidades das quais as partes serão os únicos juízes.

Abolição absoluta do assim chamado direito histórico e do horrível direito de conquista como contrários ao princípio da liberdade.

Negação absoluta da política de crescimento, de glória e de fortalecimento do Estado, política que, fazendo de cada país uma fortaleza que exclui de seu meio todo o resto da humanidade, forçando-o por assim dizer a considerar-se como a humanidade inteira, a bastar-se a si mesmo, a organizar em si mesmo um mundo independente de qualquer solidariedade humana e a colocar sua prosperidade e sua glória no mal que fará a outras nações (9). Um país conquistador é necessariamente um país internamente escravo.

A glória e a grandeza de uma nação consistem unicamente no desenvolvimento de sua humanidade. Sua força, sua unidade, a potência de sua vitalidade interior se medem unicamente pelo grau de sua liberdade. Tomando a liberdade por base, chega-se necessariamente à união; mas da unidade dificilmente, ou jamais, se chega à liberdade. E, se chegarmos, será somente destruindo uma unidade que foi feita fora da liberdade.

A prosperidade e a liberdade das nações como dos indivíduos são absolutamente solidárias, e isso leva, conseqüentemente, à liberdade absoluta de comércio, de transação e de comunicação entre todos os países federados, à abolição das fronteiras, dos passaportes e das alfândegas. Cada cidadão de um país federado deve gozar de todos os direitos cívicos, devendo poder adquirir facilmente o título de cidadão e todos os direitos políticos em todos os outros países pertencentes à mesma federação.

Na liberdade de todos, indivíduos e entidades coletivas sendo solidários, nenhuma nação, província, comuna ou associação seria oprimida, sem que todas as outras o fossem e se sentissem ameaçadas na sua liberdade. Cada um por todos e todos por um, esta deve ser a regra sagrada e fundamental da federação internacional.

Nenhum dos países federados poderá conservar exército permanente, nem instituições que separem o soldado do cidadão. Causas de ruína, de corrupção, de brutalidade e de tirania internas, os exércitos permanentes e a profissão de soldado são uma ameaça contra a prosperidade e a independência de todos os outros países. Cada cidadão válido deve, se necessário, tornar-se soldado para a defesa dos lares ou da liberdade. O armamento material deve ser organizado em cada país por comuna e por província, mais ou menos como nos Estados Unidos da América e na Suíça.

O parlamento internacional composto seja de uma única câmara (de representantes de todas as nações) ou de duas câmaras (compreendendo, uma, estes mesmos representantes, outra, os representantes diretos de toda a população compreendida pela federação internacional, sem distinção de nacionalidade) – o parlamento federal, assim composto, estabelecerá o pacto internacional e a legislação federal que terá unicamente a missão de desenvolver e de modificar segundo as necessidades da época.

O tribunal internacional terá como única missão julgar em última instância os Estados e suas respectivas províncias. Quanto aos debates que poderão surgir entre dois Estados federados, só poderão ser julgados em primeira e em última instância pelo parlamento internacional que decidirá, ainda sem apelação, sobre todas as questões de política comum e de guerra, em nome da federação revolucionária global e contra a coalizão reacionária.

Nenhum Estado federado poderá jamais promover guerra contra um outro Estado federado. Tendo o parlamento internacional pronunciado seu julgamento, o Estado condenado deve submeter-se. Caso contrário, todos os outros Estados da federação deverão interromper suas comunicações com ele, expulsá-lo da lei federal e, em caso de ataque, armar-se solidariamente contra ele.

Todos os Estados participantes da federação revolucionária deverão tomar parte ativa em qualquer guerra que um deles fizer a um Estado não federado. Cada país federado, antes de declará-la, deve prevenir o parlamento internacional e só declará-la se este achar que há razões suficientes para a guerra. Em caso afirmativo, o diretório executivo federado assumirá a causa do Estado ofendido e pedirá ao Estado agressor estrangeiro, em nome de toda a federação revolucionária, pronta reparação.

Se, ao contrário, o parlamento julgar que não houve agressão, nem ofensa real, aconselhará ao Estado queixoso a não iniciar a guerra, advertindo-o que, se começar, o fará sozinho.

É preciso esperar que, com o tempo, os Estados federados, renunciando ao luxo ruinoso de representações particulares, se contentarão com uma representação diplomática federal.

A federação internacional revolucionária restrita estará sempre aberta aos povos que dela quiserem participar mais tarde, sobre a base dos princípios e da solidariedade militante e ativa da revolução acima e abaixo expostos, mas sem jamais fazer a menor concessão de princípios a nenhum. Logo, só poderão ser recebidos na federação os povos que tiverem aceitado todos os princípios recapitulados no presente catecismo.

ORGANIZAÇÃO SOCIAL

Sem igualdade política não há liberdade política real, mas a igualdade política só se tornará possível quando houver igualdade econômica e social.

A igualdade não implica o nivelamento das diferenças individuais, nem a identidade intelectual, moral e física dos indivíduos. Esta diversidade das capacidades e das forças, estas diferenças de raça, de nação, de sexo, de idade e de indivíduos, longe de ser um mal social, constitui, ao contrário, a riqueza da humanidade. A igualdade econômica e social não implica também o nivelamento das fortunas individuais, enquanto produtos da capacidade, da energia produtiva e da economia de cada um.

A igualdade e a justiça reclamam unicamente: uma tal organização da sociedade que todo indivíduo humano encontre ao nascer, embora isto dependa não da natureza mas da sociedade, meios iguais para o desenvolvimento de sua infância e de sua adolescência até a idade de sua virilidade. Meios iguais primeiro para sua educação e sua instrução, e mais tarde para o exercício das forças diferentes com que a natureza terá agraciado a cada um para o trabalho. Esta igualdade de ponto de partida, que a justiça reclama para todos, será impossível enquanto existir o direito de sucessão.

A justiça, assim como a dignidade humana, exige que cada um seja unicamente o filho de suas obras. Repelimos com indignação o dogma do pecado, da vergonha e da responsabilidade hereditárias. Pela mesma razão, devemos repudiar a hereditariedade fictícia da virtude, das honras e dos direitos, assim como a da fortuna. O herdeiro de uma fortuna qualquer não é mais o filho de suas obras e, em relação ao ponto de partida, é um privilegiado.

Abolição do direito de herança. Enquanto este direito existir, a diferença hereditária das classes, das posições, das fortunas, a desigualdade social e o privilégio subsistirão, senão de direito ao menos de fato, por uma lei inerente à sociedade que produz sempre a igualdade dos direitos: a desigualdade social se torna necessariamente desigualdade política. E, sem igualdade política, como já se afirmou, não há liberdade no sentido universal, humano, verdadeiramente democrático da palavra; a sociedade permanecerá sempre dividida em duas partes desiguais, das quais uma imensa, compreendendo toda a massa popular, será oprimida e explorada pela outra. Logo, o direito de sucessão é contrário ao triunfo da liberdade e, se a sociedade quer se tornar livre, deve aboli-lo.

Deve aboli-lo porque, repousando sobre uma ficção, este direito é contrário ao próprio princípio da liberdade. Todos os direitos individuais, políticos e sociais vinculam-se ao indivíduo real e vivo. Uma vez morto, não há mais nem vontade de um indivíduo que não mais existe e que, em nome da morte, oprime os vivos. Se o indivíduo morto insiste na execução de sua vontade, que venha executá-la ele próprio se puder, mas ele não tem o direito de exigir que a sociedade coloque sua força e seu direito a serviço de sua não-existência.

O objetivo legítimo e sério do direito de sucessão foi sempre assegurar às gerações futuras os meios de desenvolverem-se e de tornarem-se homens. Portanto, apenas o fundo de educação e de instrução pública terá o direito de herdar com obrigação de prover igualmente a manutenção, a educação e a instrução de todas as crianças, desde o nascimento até a maioridade e sua completa emancipação. Desta maneira, todos os pais ficarão igualmente tranqüilizados sobre a sorte de seus filhos, e, como a igualdade de todos é uma condição fundamental da moralidade de cada um, e todo privilégio é uma fonte de imoralidade, todos os pais cujo amor pelos filhos for razoável e aspirem não à vaidade mas à sua dignidade humana, mesmo que tivessem a oportunidade de deixar-lhes uma herança que os colocaria em uma posição privilegiada, prefeririam para eles o regime da mais completa igualdade.

A desigualdade resultante do direito de sucessão, uma vez abolida, permanecerá sempre, embora consideravelmente diminuída, principalmente a desigualdade resultante da diferença das capacidades, das forças e da energia produtiva dos indivíduos, diferença que, por sua vez, sem nunca desaparecer inteiramente, diminuirá sempre mais por influência de uma educação e de um sistema de organização social igualitário e que, aliás, uma vez abolido o direito de sucessão, jamais pesará sobre as gerações futuras.

Sendo o trabalho o único produtor de riqueza, cada um é sem dúvida livre, quer para morrer de fome, quer para ir viver em desertos ou em florestas entre animais selvagens, mas quem quiser viver em sociedade deve ganhar sua vida com seu próprio trabalho, sob pena de ser considerado um parasita, um explorador do bem, isto é, do trabalho de outrem, como um ladrão.

O trabalho é a base fundamental da dignidade e do direito humano. Pois é unicamente pelo trabalho livre e inteligente que o homem cria o mundo civilizado, tornando-se por sua vez criador e conquistando sua humanidade e seu direito sobre o mundo exterior e sobre sua própria animalidade. A desonra que no mundo antigo, assim como na sociedade feudal, prendeu-se à idéia do trabalho, e que permanece em grande parte ainda hoje, apesar de todas as frases que ouvimos repetir a toda hora sobre sua dignidade, este desprezo estúpido pelo trabalho tem duas fontes: a primeira é esta convicção tão característica dos antigos e que ainda hoje encontra partidários secretos: para conceder a uma determinada parte da sociedade os meios de humanizar-se pela ciência, pelas artes, pelo conhecimento e pelo exercício do direito, é preciso que uma outra parte, naturalmente mais numerosa, se dedique ao trabalho como escrava. Este princípio fundamental da civilização antiga foi a causa de sua ruína. A cidade corrompida e desorganizada pela ociosidade dos cidadãos, minada por outro lado pela ação imperceptível e lenta mas constante deste mundo deserdado dos escravos, moralizados apesar da escravidão e mantidos em sua força primitiva pela ação salutar do trabalho mesmo forçado, caiu sob os golpes dos povos bárbaros, aos quais, por nascimento, haviam pertencido em grande parte estes escravos.

O cristianismo, esta religião dos escravos, só destruiu mais tarde a antiga irregularidade para criar uma outra: o privilégio da graça e da eleição divinas baseado na desigualdade, produzida naturalmente pelo direito de conquista, separou novamente a sociedade humana em dois campos: a canalha e a nobreza, os servos e os senhores, atribuindo aos últimos a nobre profissão das armas e do governo, deixando aos servos apenas o trabalho, não apenas aviltado, mas maldito. A mesma causa produz necessariamente os mesmos efeitos; o mundo nobiliário, enervado e desmoralizado pelo privilégio da ociosidade, caiu em 1789 sob os golpes dos servos, trabalhadores revoltados, unidos e poderosos.

Foi, então, proclamada a liberdade do trabalho, sua reabilitação de direito. Mas somente de direito, pois de fato o trabalho permanece ainda desonrado, escravizado. A primeira fonte desta escravatura, principalmente a que consistia no dogma da desigualdade política dos homens, tendo sido suprimida pela grande Revolução, torna necessário atribuir o atual desprezo pelo trabalho à segunda, que é tão-somente a separação feita e que vigora ainda hoje, entre o trabalho intelectual e o trabalho manual e que, reproduzindo sob uma nova forma a antiga desigualdade, divide novamente o mundo social em dois campos: a minoria privilegiada, de ora em diante, não mais pela lei, mas pelo capital, e a maioria dos trabalhadores forçados, não mais pelo direito iníquo do privilégio legal, mas pela fome.

Efetivamente, hoje, a dignidade do trabalho é teoricamente reconhecida e a opinião pública admite que é vergonhoso viver sem trabalho. O trabalho humano, considerado na sua totalidade, divide-se em duas partes, umas das quais, intelectual e exclusivamente nobre, compreende as ciências, as artes, e, na indústria, a aplicação das ciências e das artes, a idéia, a concepção, a invenção, o cálculo, o governo e a direção geral ou subordinada das forças operárias; e a outra, apenas a execução manual reduzida a uma ação puramente mecânica, sem inteligência, sem idéia, por esta lei econômica e social da divisão do trabalho. Os privilegiados do capital, sem excetuar os menos autorizados na medida de suas capacidades individuais, apoderam-se da primeira e deixam a segunda ao povo. Daí resultam três grandes males: um para estes privilegiados do capital; outro para as massas populares; e o terceiro, procedente de um e de outro, para a produção das riquezas, para o bem-estar, para a justiça e para o desenvolvimento intelectual e moral de toda a sociedade.

O mal de que sofrem as classes privilegiadas é o seguinte: ficando com a melhor parte na repartição das funções sociais, desempenham um papel cada vez mais mesquinho, no mundo intelectual e moral. É perfeitamente verdadeiro que um certo grau de lazer é absolutamente necessário para o desenvolvimento do espírito, das ciências e das artes; mas deve ser um lazer conquistado, sucedendo às sadias fadigas de um trabalho diário, um lazer justo e cuja possibilidade, dependendo unicamente de maior ou de menor energia, de capacidade e de boa vontade no indivíduo, seria socialmente igual para todo mundo. Ao contrário, todo lazer privilegiado, longe de fortificar o espírito, o debilita, o desmoraliza e o mata. A história nos prova: com raras exceções, as classes privilegiadas pela fortuna e pela origem sempre foram as menos produtivas em relação ao espírito, e as maiores descobertas nas ciências, nas artes e na indústria foram feitas, na maior parte das vezes, por homens que, na sua juventude, foram forçados a ganhar a vida com o trabalho rude.

A natureza humana é feita de tal forma que a possibilidade do mal produz infalivelmente e sempre a realidade, dependendo a moralidade do indivíduo muito mais das condições de sua existência e do meio no qual vive do que da sua própria vontade. Sob esse aspecto, bem como sob todos os outros, a lei da solidariedade social é inexorável, de forma que para moralizar os indivíduos não é necessário cuidar de sua consciência tanto quanto da natureza da sua existência social; e não existe outro moralizador nem para a sociedade nem para o indivíduo do que a liberdade na mais perfeita igualdade. Tome o mais sincero democrata e coloque-o em um trono qualquer; se não descer logo, se tornará infalivelmente um canalha. Um homem nascido na aristocracia, se, por um feliz acaso, não desprezar e não detestar seu sangue, e se não tiver vergonha da aristocracia, será necessariamente um homem tão mau (sic) quanto fútil, saudoso do passado, inútil no presente e ardente adversário do futuro. Da mesma forma o burguês, filho querido do capital e do lazer privilegiado, transformará seu lazer em ociosidade, em corrupção, em desregramento, ou ainda se servirá dele como de uma arma terrível para submeter ainda mais as classes operárias e terminará por levantar contra ele uma revolução mais terrível do que a de 1793.

O mal de que sofre o povo é ainda mais fácil de determinar: ele trabalha para outrem, e seu trabalho, privado de liberdade, de lazer e de inteligência, e por isso mesmo aviltado, o degrada, o esmaga e o mata. É forçado a trabalhar para outrem porque nasceu na miséria e privado de instrução e de toda e qualquer educação racional, moralmente escravo; graças às influências religiosas, ele se vê jogado na vida desarmado, desacreditado, sem iniciativa e sem vontade própria. Forçado pela fome, desde a mais tenra infância, a ganhar sua triste vida, deve vender sua força física, seu trabalho, nas mais duras condições sem ter nem o pensamento, nem a faculdade material de exigir outras. Reduzido ao desespero pela miséria, algumas vezes se revolta, mas, faltando-lhe esta unidade e esta força dada pelo pensamento, mal conduzido, muitas vezes traído e vendido por seus chefes, e não sabendo quase nunca em quem lançar as culpas dos males que suporta, batendo às vezes injustamente, ele tem, ao menos até hoje, fracassado em suas revoltas e, fatigado por uma luta estéril, volta sempre à antiga escravidão.

Esta escravidão durará enquanto o capital, ficando fora da ação coletiva das forças operárias, explore o povo e enquanto a instituição que numa sociedade bem organizada deveria ser igualmente repartida entre todos, desenvolvendo apenas o interesse de uma classe privilegiada, atribua a esta última a parte espiritual do trabalho, deixando ao povo unicamente a brutal aplicação de suas forças físicas escravizadas e sempre condenadas a exercer idéias que não são as suas.

Por este injusto e funesto desvio, o trabalho do povo, tornando-se um trabalho puramente mecânico e semelhante ao de uma besta de carga, é desonrado, desprezado e, como conseqüência natural, deserdado de qualquer direito. Resulta para a sociedade, sob o aspecto político, intelectual e moral, um mal imenso. A minoria usufruindo do monopólio e da ciência, pelo próprio efeito desse privilégio, é ferida ao mesmo tempo em sua inteligência e na sua sensibilidade, até o ponto de tornar-se estúpida devido à instrução, pois nada é tão maléfico e estéril quanto a inteligência patenteada e privilegiada. Por outro lado, o povo, completamente destituído de ciência, esmagado pelo trabalho cotidiano mecânico, capaz antes de embrutecer do que desenvolver sua inteligência natural, privado da luz que poderia mostrar-lhe o caminho da libertação, debate-se inutilmente em seu cubículo, e, como ele tem sempre a seu favor a força dada pelo número, põe sempre em perigo a própria existência da sociedade.

É pois necessário que a iníqua divisão estabelecida entre o trabalho intelectual e o trabalho manual seja estabelecida de maneira diferente. A própria produção econômica da sociedade sofre consideravelmente; a inteligência separada da ação corporal debilita-se, seca e murcha, até que a força corporal da humanidade separada da inteligência embruteça e, neste estado de separação artificial, nenhuma produz a metade do que poderia, do que deverá produzir quando, reunidas em uma nova síntese social, formem apenas uma única ação produtiva. Quando o homem de ciência trabalhar e o trabalhador pensar, o trabalho inteligente e livre será considerado como o mais belo título de glória para a humanidade, como a base de sua dignidade, de seu direito, como a manifestação de seu poder humano na Terra; e a humanidade será constituída.

O trabalho inteligente e livre será necessariamente um trabalho associado. Cada um será livre de associar-se ou não pelo trabalho, mas não há dúvidas de que, com exceção dos trabalhos de imaginação e cuja natureza exige a concentração da inteligência individual em si mesma, em todos os empreendimentos industriais e mesmo científicos ou artísticos que, por sua natureza, admitem o trabalho associado, a associação será preferida por todo mundo, pela simples razão de que a associação multiplica de maneira maravilhosa as forças produtivas de cada um, e de que cada um, tornando-se membro e cooperador de uma associação produtiva, com muito menos tempo, esforço, ganhará muito mais.

Quando as associações produtivas e livres, deixando de ser escravas e tornando-se, por sua vez, as senhoras e as proprietárias do capital que lhe será necessário, contarem em seu meio, a título de membros cooperadores, ao lado das forças operárias emancipadas pela instrução geral, com todas as inteligências especiais necessárias para cada empreendimento; quando, combinando entre si, sempre livremente, de acordo com suas necessidades e com sua natureza, ultrapassando cedo ou tarde todas as fronteiras nacionais, formarem uma imensa federação econômica, com um parlamento esclarecido por dados tão amplos quanto precisos e detalhados de uma estatística mundial, como não pode existir ainda hoje, e que combinem a oferta e a procura para governar, determinar e repartir entre diferentes países a produção da indústria mundial, de modo que não haja mais, ou muito poucas, crises comerciais e industriais, estagnação forçada, desastres, sacrifícios nem capitais perdidos, então o trabalho humano, emancipação de cada um e de todos, regenerará o mundo.

A terra, com todas as suas riquezas naturais, é propriedade de todo mundo, mas será possuída apenas por aqueles que a cultivarem.

A mulher, diferente do homem, trabalhadora e livre como ele, é declarada sua igual em todos os direitos como em todas as funções e deveres políticos e sociais.

DA FAMÍLIA E DA ESCOLA

Abolição não da família natural, mas da família legal, fundada sobre o direito civil e sobre a propriedade. O casamento religioso e civil é substituído pelo casamento livre. Dois indivíduos maiores e se sexos diferentes têm o direito de unir-se e separar-se conforme sua vontade, seus interesses mútuos e as necessidades de seu coração, sem que a sociedade tenha o direito, seja de impedir sua união, seja de mantê-los juntos contra a vontade. O direito de sucessão estando abolido, a educação de todas as crianças estando assegurada pela sociedade, todas as razões que foram até hoje apontadas para a consagração política e civil do casamento desaparecem, e a união de dois sexos deve readquirir sua inteira liberdade que aqui, como em toda parte e sempre, é a condição sine qua non da moralidade sincera. No casamento livre o homem e a mulher devem igualmente gozar de uma liberdade absoluta. Nem a violência da paixão, nem os direitos livremente concedidos no passado poderão servir de desculpa para nenhum atentado de um contra a liberdade do outro, e semelhantes atentados serão considerados crimes.

Do momento em que uma mulher engravida até o momento em que dá à luz, ela tem o direito a uma subvenção por parte da sociedade, paga não à mãe, mas à criança. Toda mãe que quiser nutrir e educar seus filhos receberá igualmente da sociedade todas as despesas de manutenção e de seu trabalho gasto com as crianças.

Os pais terão o direito de manter junto a si as crianças e ocupar-se com sua educação, sob a tutela e o controle supremo da sociedade, que conservará sempre o direito e o dever de separar os filhos dos pais sempre que estes, seja pelo exemplo, pela mentalidade ou tratamento brutal e desumano, puderem desmoralizar ou até entravar o desenvolvimento de seus filhos.

As crianças não pertencem nem a seus pais nem à sociedade, pertencem a si próprias e à sua futura liberdade. Como crianças, até a idade de sua emancipação, são só potencialmente livres, devendo estar, portanto, sob o regime da autoridade. Os pais são seus tutores naturais, é verdade, mas o tutor legal e supremo é a sociedade, que tem o direito e o dever de ocupar-se delas, porque seu próprio futuro depende da direção intelectual e moral dada às crianças. A sociedade só pode dar liberdade aos maiores com a condição de supervisionarem a educação dos menores.

A escola deve substituir a Igreja com a imensa diferença de que esta, ministrando sua educação religiosa, não tem outra finalidade senão a de eternizar o regime da ingenuidade humana e da assim chamada autoridade divina, enquanto a educação e a instrução da escola, não possuindo, ao contrário, outra finalidade senão a emancipação real das crianças quando chegarem à maioridade, não será nada mais do que sua iniciação gradual e progressiva na liberdade, pelo triplo desenvolvimento de suas forças físicas, de seu espírito e de sua vontade. A razão, a verdade, a justiça, o respeito humano, a consciência da dignidade pessoal, solidária e inseparável da dignidade humana no outro, o amor da liberdade por si mesma e por todos os outros, o culto do trabalho como base e condição do direito, o desprezo pelo desatino, pela mentira, pela injustiça, pela covardia, pela escravidão e pela ociosidade, estas deverão ser as bases fundamentais da educação pública.

Ela deve, primeiramente, formar homens, depois operários especializados e cidadãos, e, à medida que avançar acompanhando a idade das crianças, a autoridade deverá naturalmente ceder lugar à liberdade, a fim de que os adolescentes, chegando à maioridade, estando emancipados, pela lei, possam esquecer como na infância foram governados e conduzidos por outros caminhos que não os da liberdade. O respeito humano, este gérmen da liberdade, deve estar presente mesmo nos atos mais severos e mais absolutos da autoridade. Toda educação moral está contida nesses princípios; inculquem este respeito nas crianças e vocês as terão tornado homens.

Uma vez concluída a instrução primária e secundária, as crianças, de acordo com suas capacidades e simpatias, aconselhadas, esclarecidas, mas não violentadas por seus superiores, escolherão uma escola superior ou especial qualquer. Ao mesmo tempo, cada um deverá aplicar-se ao estudo teórico e prático do ramo da indústria que mais lhe agradar e a importância que ganhar com seu trabalho durante o aprendizado lhe será dada quando for maior.

Atingida a maioridade, o adolescente será proclamado livre e senhor absoluto de seus atos. Em troca dos cuidados que a sociedade lhe prodigalizou durante a infância, ela exigirá dele três coisas: que permaneça livre, que viva de seu trabalho e que respeite a liberdade de seu semelhante. E como os vícios e os crimes de que sofre a sociedade atual são unicamente produto de uma má organização social, poderemos estar certos de que, com uma organização e uma educação da sociedade baseadas na razão, na justiça, na liberdade, no respeito humano e na mais completa igualdade, o bem se tornará a regra e o mal uma exceção doentia que diminuirá cada vez mais sob a influência todo-poderosa da opinião pública moralizada.

Os velhos, os inválidos, os doentes, cercados de cuidados, de respeito e gozando de todos os seus direitos, tanto públicos quanto sociais, serão tratados e mantidos com profusão à custa da sociedade.

POLÍTICA REVOLUCIONÁRIA

É nossa convicção fundamental que todas as liberdades nacionais, sendo solidárias, as revoluções particulares de todos os países também devem sê-lo, que daqui em diante na Europa, como em todo mundo civilizado, não haverá mais revoluções, apenas a revolução universal, assim como só há uma reação européia e mundial; que, portanto, todos os interesses particulares, todas as vaidades, pretensões, ciúmes e hostilidades nacionais se fundam hoje em um único interesse comum e universal da revolução, que garantirá a liberdade e a independência de cada nação pela solidariedade de todas; que a Santa Aliança da contra-revolução mundial e da conspiração dos reis, do clero, da nobreza e do feudalismo burguês, apoiados em enormes orçamentos, em exércitos permanentes, em uma formidável burocracia, armados de todos os terríveis meios que lhe dá a centralização moderna, como hábito e por assim dizer com a rotina da ação e o direito de conspirar e de fazer tudo em nome da lei são um fato imenso, ameaçando, esmagando e que, para combatê-lo, para opor-lhe um fato de igual potência, para vencê-lo e destruí-lo, é preciso nada menos que a aliança e a ação revolucionárias simultâneas de todos os povos do mundo civilizado.

Contra essa reação mundial, a revolução isolada de nenhum povo poderia ter sucesso. Ela seria uma loucura, logo, um erro e uma traição, um crime contra todas as outras nações. De hoje em diante, o levante de cada povo deve fazer-se não em sua própria intenção, mas na intenção de todo mundo. Mas, para que uma nação se subleve na intenção de, e em nome de todo mundo, é preciso que ela tenha o programa de todo mundo, suficientemente grande, profundo, verdadeiro, humano em suma, para abarcar os interesses de todo mundo e para eletrizar as paixões de todas as massas populares da Europa, sem diferença de nacionalidade. O programa só pode ser o da revolução democrática e social.

O objetivo da revolução democrática e social pode ser definido em duas palavras:

Politicamente: é a abolição do direito histórico, do direito de conquista e do direito diplomático. É a emancipação completa dos indivíduos e das associações do jugo da autoridade divina e humana; é a destruição absoluta de todas as uniões e aglomerações forçadas das comunas nas províncias, das províncias e dos países conquistados no Estado. Enfim, é a dissolução radical do Estado centralista, tutelar, autoritário, com todas as instituições militares, burocráticas, governamentais, administrativas, judiciárias e civis. É, em uma palavra, a liberdade desenvolvida a todo mundo, aos indivíduos, como a todas as entidades coletivas, associações, comunas, províncias, regiões e nações e a garantia mútua desta liberdade pela federação.

Socialmente: é a confirmação da igualdade política pela igualdade econômica. É, no começo da carreira de cada um, a igualdade de ponto de partida, igualdade não natural, mas social para cada um, isto é, igualdade de meios de manutenção, de educação, de instrução para cada criança, rapaz ou moça, até a época de sua maioridade.