sábado, 28 de novembro de 2020

A Sociedade Internacional Revolucionária (SIR-M.Bakunin)

 O PROGRAMA DA FRATERNIDADE

M. Bakunin
A Sociedade Internacional Revolucionária será constituída por duas organizações diferentes: a família internacional, propriamente dita, e as famílias nacionais; estas últimas deverão ser em toda parte organizadas de modo que permaneçam sempre submissas à direção absoluta da família internacional.

A FAMÍLIA INTERNACIONAL

Composta unicamente de irmãos internacionais tanto honorários quanto ativos, será o fecho de abóbada sobre a qual repousará nosso grande empreendimento revolucionário. Seu sucesso dependerá principalmente da boa escolha dos f. i., frères internationaux (irmãos internacionais).

Além das qualidades indispensáveis para constituir o caráter revolucionário sério e honesto, tais como: boa-fé, coragem, prudência, discrição, constância, firmeza, resolução, dedicação sem limite, ausência de vaidade e ambição pessoal, inteligência prática, é preciso ainda que o candidato adote com o coração, a vontade e o espírito todos os princípios fundamentais de nosso Catecismo Revolucionário.

É preciso que seja ateu e que reivindique para o homem e para a terra tudo o que as religiões transportaram para o céu e atribuíram a seus deuses: a verdade, a liberdade, a justiça, a felicidade e a bondade. É preciso que reconheça que a moral, independente de toda teologia e de toda metafísica divina, tenha como fonte apenas a consciência coletiva dos homens.

É preciso que seja como nós o inimigo do princípio da autoridade e que deteste todas as suas aplicações e conseqüências, seja no mundo intelectual e moral, seja no mundo político, econômico e social.

É preciso que ame antes de tudo a liberdade e a justiça e que reconheça conosco que toda organização política e social, baseada na negação, ou mesmo em qualquer restrição deste princípio absoluto da liberdade, deve necessariamente levar à iniqüidade ou à desordem e que a única organização social racional, equilibrada, compatível com a dignidade e a felicidade dos homens, será a que tiver por base e por finalidade suprema a liberdade.

É preciso que compreenda que não existe liberdade sem igualdade e que a realização da maior liberdade na mais perfeita igualdade de direito e de fato, política, econômica e social ao mesmo tempo, é a justiça.

É preciso que seja federalista, como nós, tanto no interior quanto fora de seu país. Deve compreender que o advento da liberdade é incompatível com a existência dos Estados. Deve querer, por via de conseqüência, a destruição de todos os Estados e, ao mesmo tempo, a de todas as instituições religiosas, políticas e sociais: tais como Igrejas oficiais, exércitos permanentes, poderes centralizados, burocracia, governos, parlamentos unitários, universidades e bancos do Estado, bem como monopólios aristocráticos e burgueses. Para que sobre as ruínas de tudo isto possa nascer, enfim, a sociedade humana livre e que se organizará não mais como hoje, de cima para baixo e do centro para a circunferência, por via de unidade e concentração forçadas, mas partindo do indivíduo livre, da associação livre e da comuna autônoma de baixo para cima e da circunferência para o centro, por via de federação livre.

É preciso que adote, tanto na teoria quanto na prática e em toda a amplitude de suas conseqüências, este princípio: todo indivíduo, toda associação, toda comuna, toda província, toda região, toda nação tem o direito absoluto de dispor de si próprias, de associar-se ou de não associar-se, de aliar-se com quem quiserem e de romper suas alianças sem preocupar-se com os assim chamados direitos históricos, nem com as conveniências de seus vizinhos; e que esteja firmemente convencido que somente quando estiverem formadas pela força de suas atrações e necessidades inerentes, naturais e consagradas pela liberdade, estas novas federações de comunas, de províncias, de regiões e de nações se tornarão verdadeiramente fortes, fecundas e indissolúveis.

É preciso, pois, que reduza o assim chamado princípio da nacionalidade, princípio ambíguo, cheio de hipocrisias e de armadilhas, princípio de Estado histórico, ambicioso, ao princípio muito maior, muito simples e único legítimo, da liberdade: cada um, indivíduo ou corpo coletivo, sendo ou devendo ser livre, tem o direito de ser ele próprio, e ninguém tem o direito de impor-lhe seus costumes, sua vestimenta, sua língua, suas opiniões e suas leis; cada um deve ser absolutamente livre em si. Eis a que se reduz, em sua sinceridade, o direito nacional. Tudo que estiver além disto não é a confirmação de sua própria liberdade nacional, mas a negação da liberdade nacional de outrem. O candidato deve, pois, detestar, como nós, todas estas idéias estreitas, ridículas, liberticidas e, conseqüentemente, criminosas, de grandeza, de ambição e de glória nacional boas apenas para a monarquia e para a oligarquia, hoje igualmente boas para a burguesia, porque lhe são úteis para enganar os povos e amotiná-los uns contra os outros para melhor submetê-los.

É preciso que em seu coração o patriotismo, ficando daqui para frente em segundo plano, ceda lugar ao amor pela justiça e pela liberdade, e que, se necessário, se sua própria pátria separar-se destes valores, jamais hesite em tomar partido contra ela; o que não custará muito, se estiver realmente convencido, como deve estar, de que só há prosperidade e grandeza política em um país através da justiça e da liberdade.

É preciso que esteja convencido de que a prosperidade e a felicidade de seu país, longe de estar em contradição com aquelas de todos os outros países, ao contrário, necessitam para sua própria realização que exista entre os destinos de todas as nações uma solidariedade final todo-poderosa e que esta solidariedade, transformando pouco a pouco o sentimento estreito e freqüentemente injusto de patriotismo em um amor mais amplo, mais generoso e mais racional da humanidade, criará finalmente a federação universal e mundial de todas as nações.

É preciso que seja socialista na mais completa acepção do termo pelo nosso catecismo revolucionário e que, conosco, ele o reconheça como legítimo e como justo, que o proclame com toda sinceridade, e que esteja pronto a contribuir com todos os esforços para o triunfo de uma organização social, na qual todo indivíduo humano, nascendo para a vida homem ou mulher, encontre meios iguais de manutenção, de educação e de instrução na infância e na adolescência e que, mais tarde, na maioridade, encontre facilidades exteriores, isto é, políticas, econômicas e sociais iguais para criar seu próprio bem-estar, aplicando ao trabalho as diferentes forças e aptidões que a natureza lhe concedeu e que uma instrução igual para todos tenha desenvolvido.

É preciso que compreenda que, assim como a hereditariedade do mal, que é incontestável como fato natural, é por todos rejeitada pelo princípio da justiça, e pela mesma lógica justiceira, assim também deve ser rejeitada a hereditariedade do bem, pois os mortos, não existindo mais, não podem exercer influências sobre os vivos e a igualdade econômica, social e política, ponto de partida de cada um e condição absoluta da liberdade de todos, é incompatível com a propriedade hereditária e com o direito de sucessão.

É preciso que esteja convencido de que, sendo o trabalho o único produtor de riquezas sociais, aquele que tirar proveitos sem trabalhar é um explorador do trabalho do outro, um ladrão, e de que o trabalho, sendo a base fundamental da dignidade humana, único meio pelo qual o homem conquista e cria realmente sua liberdade, todos os direitos políticos e sociais deverão, daqui em diante, pertencer unicamente aos trabalhadores.

É preciso que reconheça que a terra, dom gratuito da natureza a cada um, não pode e não deve ser propriedade de ninguém. Mas que seus frutos, enquanto produto do trabalho, devem reverter unicamente para os que cultivam com suas próprias mãos.

Deve estar convencido, conosco, de que a mulher, diferente do homem, mas não inferior a ele, inteligente, trabalhadora e livre como ele, deve ser declarada, em todos os direitos políticos e sociais, semelhante a ele; de que na sociedade livre o casamento religioso e civil deve ser substituído pelo casamento livre, e que a manutenção, educação e instrução das crianças serão iguais para todos, à custa da sociedade, a qual, embora protegendo-as, seja contra a ignorância, seja contra a negligência, seja contra a má vontade dos pais, não tenha necessidade de separá-las, pois as crianças não pertencem nem à sociedade nem a seus pais, mas à sua futura liberdade, e a autoridade tutelar da sociedade não deve ter outro objetivo, nem outra missão em relação a elas que a de prepará-las para uma educação racional e viril, alicerçada unicamente na justiça, no respeito humano e no culto ao trabalho.

É preciso que seja revolucionário. Ele deve compreender que uma transformação tão completa e radical da sociedade, devendo necessariamente determinar a ruína de todos os privilégios, de todos os monopólios, de todos os poderes constituídos, não poderá naturalmente efetuar-se por meios pacíficos; que, pela mesma razão, terá contra ela todos os poderosos, todos os ricos, e por ela, em todos os países, apenas o povo, assim como esta parte inteligente e nobre da juventude que, embora pertencendo por nascimento às classes privilegiadas, por suas convicções generosas e por suas ardentes inspirações, abrace a causa do povo.

Deve compreender que esta revolução que terá por objetivo único e supremo a emancipação real, política, econômica e social do povo, ajudada, sem dúvida, e organizada em grande parte por esta juventude, só poderá, em última instância, ser realizada pelo povo; que todas as outras questões, religiosas, nacionais, políticas, tendo sido completamente esgotadas pela história, ficam reduzidas a uma só, na qual se resumem todas as outras e a única, agora, capaz de mexer com os povos: a questão social.

Deve compreender que toda revolução, seja de independência nacional, como o último levante polonês ou como o apregoa Mazzini, seja exclusivamente política, monárquica ou mesmo republicana, como o último movimento dos progressistas abortado na Espanha, que toda revolução semelhante, fazendo-se fora do povo e não podendo, em conseqüência, triunfar sem apoiar-se em uma classe privilegiada qualquer, representando seus interesses exclusivos, se fará necessariamente contra o povo e será um movimento retrógrado, funesto e contra-revolucionário.

Desprezando, portanto, e vendo como um erro fatal ou como um engano indigno qualquer movimento secundário que não tenha por objetivo imediato e direto a emancipação política e social das classes trabalhadoras, isto é, do povo, inimigo de qualquer transação, de qualquer conciliação, impossível de ora em diante, e de qualquer coalizão mentirosa com os que, por seus interesses, são inimigos naturais deste povo, não deve ver outra solução para seu país e para o mundo inteiro que a revolução social.

É preciso que compreenda, ao mesmo tempo, que esta revolução, cosmopolita por excelência, como o são igualmente a justiça e a liberdade, só poderá triunfar se, ultrapassando como um incêndio universal as barreiras estreitas das nações e fazendo desmoronar todos os Estados no seu caminho, abranger primeiramente toda a Europa, logo o mundo. É preciso que compreenda que a revolução social se tornará necessariamente uma revolução européia e mundial.

Que o mundo se separará necessariamente em dois campos, o da nova vida e o dos antigos privilégios e que, entre estes dois campos opostos, formados como no tempo das guerras religiosas, não mais por atrações nacionais, mas pela comunidade das idéias e dos interesses, deverá originar-se uma guerra de exterminação, sem piedade e sem trégua, contrária em essência a esta política hipócrita de não-intervenção, que só é útil aos moribundos e aos impotentes, no próprio interesse de sua salvação e de sua conservação, não podendo viver e triunfar sem expandir-se, não se renderá antes de ter destruído todos os Estados e todas as velhas instituições religiosas, políticas e econômicas da Europa e de todo mundo civilizado.

Que não será uma guerra de conquista, mas de emancipação, de emancipação algumas vezes forçada, é verdade, mas sempre salutar, porque terá apenas por objetivo e por resultado a destruição dos Estados e de sua base secular que, consagrados pela religião, foram sempre a fonte de toda escravidão.

Que a revolução social, uma vez fomentada em um ponto, encontrará em todos os países, embora aparentemente hostis, aliados ardentes e formidáveis nas massas populares que, logo que tenham compreendido sua ação e seu objetivo, não agirão de outra forma senão tomando seu partido; que será, portanto, necessário escolher para começo um terreno próprio onde ela só tenha que resistir ao primeiro embate da reação, depois do que, alastrando-se, não poderá deixar de triunfar sobre as fúrias de seus inimigos, federalizando e unindo em uma formidável aliança revolucionária todos os países que ela tiver atingido.

Que os elementos da revolução social se encontrem já amplamente divulgados quase em todos os países da Europa e que, para formar uma força efetiva, deva-se apenas harmonizá-los e concentrá-los; que isto deva ser obra de revolucionários sérios de todos os países organizados em associações ao mesmo tempo públicas e secretas com o duplo objetivo de ampliar o campo revolucionário e de preparar, ao mesmo tempo, um movimento idêntico e simultâneo em todos os países onde o movimento for viável, pelo trabalho secreto dos revolucionários mais inteligentes destes países.

Não é suficiente que nosso candidato compreenda tudo isso. É preciso que tenha em si a paixão revolucionária; que ame a liberdade e a justiça a ponto de querer seriamente contribuir com seus esforços para seu triunfo, a ponto de entender como um dever o sacrifício de seu repouso, de seu bem-estar, de sua vaidade, de sua ambição pessoal e até mesmo de seus interesses particulares.

É preciso que esteja convencido de que a melhor maneira de servi-los é dividir nossos trabalhos e que saiba que, tomando lugar entre nós, contrairá em relação a nós os mesmos compromissos solenes que nós contrairemos em relação a ele. É preciso que tenha tomado conhecimento de nosso catecismo revolucionário, de todas as nossas regras e leis e que jure observá-las sempre com fidelidade escrupulosa.

Deve compreender que uma associação, tendo uma finalidade revolucionária, deve necessariamente formar-se como sociedade secreta, e que toda sociedade secreta, no interesse da causa a que serve e da eficácia de sua ação, assim como no interesse da segurança de cada um de seus membros, deve submeter-se a uma forte disciplina, que é apenas o resumo e o resultado puro do engajamento recíproco dos membros uns em relação aos outros e que, conseqüentemente, submeter-se a uma condição de honra é um dever de cada um.

Qualquer que seja, portanto, a diferença de capacidade entre os irmãos internacionais, teremos apenas um senhor: nosso princípio; uma só vontade: nossas leis para cuja criação todos contribuímos, ou às quais consagramos por nossa livre vontade. Embora nos inclinemos com respeito diante dos serviços passados de um homem, embora apreciando a grande utilidade que nos trariam uns, com sua riqueza, outros, com sua ciência, e ainda outros com suas elevadas posições e influências públicas, literárias, políticas ou sociais, longe de procurá-los, por estes motivos, veríamos nisso uma razão de desconfiança, pois todos estes homens poderiam trazer para o nosso meio hábitos, pretensões de autoridade, de herança de seu passado, e nós não podemos aceitar nem estas pretensões, nem esta autoridade nem esta herança, olhando sempre para frente, jamais para trás, e só reconhecendo o mérito e direito naquele que servir mais ativa e resolutamente nossa associação.

O candidato compreenderá que só se entra na associação para servi-la e que, portanto, ela terá direito de esperar de cada um de seus membros uma utilidade positiva qualquer e que a ausência dessa utilidade, suficientemente constatada e provada, acarretará sua exclusão.

Entrando em nosso meio, o novo irmão deverá solenemente considerar seu dever em relação a esta sociedade como seu primeiro dever, colocando em segundo lugar seu dever em relação a cada membro da sociedade, seu irmão. Estes dois deveres deverão dominar, de ora em diante, senão seu coração, ao menos sua vontade, sobre todos os outros.

PONTOS ESSENCIAIS DOS CATECISMOS NACIONAIS

Os catecismos nacionais dos diferentes países poderão variar sobre todos os pontos secundários.

Mas há pontos essenciais e fundamentais que deverão ser igualmente obrigatórios para as organizações nacionais de todos os países e que deverão formar, por conseguinte, a base comum de todos os catecismos nacionais. Estes pontos são os seguintes:

A impossibilidade de sucesso de uma revolução nacional isolada e a conseqüente necessidade de uma aliança e de uma federação revolucionária entre todos os povos que querem a liberdade.

A impossibilidade de tal federação ou aliança sem um programa comum que satisfaça igualmente os direitos e as legítimas necessidades de todas as nações e que, sem considerar os assim chamados direitos históricos, nem o que se chama a necessidade ou salvação dos Estados, nem as glórias nacionais, nem qualquer outra pretensão vaidosa ou ambiciosa de prepotência ou força, coisas que um povo deve saber rejeitar se quiser ser verdadeiramente livre, tendo somente, por fundamento e por princípio, a liberdade igual para todos e a justiça.

Incompatibilidade de um determinado programa, incompatibilidade da liberdade, da igualdade, da justiça, do governo barato, do bem-estar e da emancipação real das classes trabalhadoras com a existência dos Estados centralistas, militares e burocráticos. Necessidade absoluta da destruição de todos os Estados atualmente existentes na Europa, com exceção da Suíça, e da demolição radical de todas as instituições políticas, militares, administrativas, judiciárias e financeiras que constituem atualmente a vida e a força dos Estados.

Abolição de qualquer relação e de qualquer igreja do Estado ou mantida pelo Estado, confisco de todos os bens mobiliários e imobiliários das igrejas em benefício das regiões administrativas e das comunas, dispondo que as religiões se tornaram livres e que, portanto, só dizem respeito à consciência individual de cada um, devendo ser mantidas unicamente por seus fiéis.

Necessidade absoluta de cada país que quiser fazer parte desta federação livre de povos de substituir a organização centralista, burocrática e militar por uma organização federal, baseada na liberdade absoluta e na autonomia das regiões, das províncias, dos municípios, das associações e dos indivíduos com funcionários eletivos e responsáveis diante do povo, e com o armamento nacional, organização que não se formará, como atualmente, de cima para baixo, mas de baixo para cima e da circunferência para o centro, pelo princípio de federação livre, partindo dos indivíduos livres que formarão as associações, as comunas autônomas; das comunas autônomas que formarão as províncias autônomas; das províncias autônomas que formarão as regiões e das regiões que, federalizando-se livremente entre si, formarão os países que, por sua vez, formarão cedo ou tarde a federação universal e mundial.

Necessidade de reconhecer o direito absoluto de secessão para todos os países, todas as regiões, todas as províncias, todas as comunas, todas as associações, bem como para todos os indivíduos com a convicção de que, uma vez reconhecido o direito de secessão, as secessões de fato se tornarão impossíveis, porque as unidades nacionais deixando de ser o produto da violência e da mentira histórica se formarão livremente pela necessidade e pelas afinidades inerentes a cada uma de suas partes.

Impossibilidade da liberdade política sem igualdade política. Impossibilidade desta, sem igualdade econômica e social.

Necessidade de uma revolução social.

A extensão e o alcance desta revolução apresentarão maiores e menores diferenças em cada país, de acordo com a situação política e social e o grau de desenvolvimento revolucionário existente em cada um. Entretanto, em todos os países, será preciso proclamar certos princípios que somente agora serão capazes de interessar e subverter as massas populares independentemente de seu estágio de civilização. Estes princípios são os seguintes:

A terra pertence a todo mundo. Mas seu aproveitamento pertencerá apenas aos que a cultivarem com suas próprias mãos. Abolição da renda da terra.

Sendo todas as riquezas sociais produzidas pelo trabalho, quem delas se aproveitar sem trabalho será um ladrão.

Os direitos políticos pertencerão apenas às pessoas honestas, pertencerão apenas aos trabalhadores.

Sem nenhuma espoliação, mas pelos esforços e forças econômicas das associações operárias, o capital e os instrumentos de trabalho se tornarão propriedade dos que os utilizarem para a produção de riquezas pelo seu próprio trabalho.

Cada homem deve ser o filho de suas obras, e só haverá justiça quando a organização da sociedade for tal que cada um ao nascer encontre os mesmos meios de manutenção, de educação, de instrução e, mais tarde, as mesmas facilidades externas de criar seu próprio bem-estar através do trabalho.

Em cada país poderá fazer-se a emancipação do casamento da tutela da sociedade e igualar os direitos das mulheres aos dos homens.

Nenhuma revolução será vitoriosa em nenhum país, atualmente, se não for uma revolução política e social. Toda revolução exclusivamente política, seja nacional e dirigida apenas contra a dominação estrangeira, seja constitucional interna, mesmo que tenha a república como objetivo, não tendo, conseqüentemente, por finalidade, a emancipação imediata e real, política e econômica do povo, será uma revolução ilusória, mentirosa, impossível, funesta, retrógrada e contra-revolucionária.

A revolução não deve ser feita unicamente para o povo, ela deve fazer-se pelo povo, e não poderá jamais ser vitoriosa se não captar ao mesmo tempo todas as massas campesinas e urbanas.

Assim, centralizada pela idéia e pela identidade de um programa comum a todos os países; centralizada por uma organização secreta que unirá não apenas todas as partes de um país, mas muitos, senão todos os países, em um único plano de ação; centralizada ainda pela simultaneidade dos movimentos revolucionários no meio rural e urbano, a revolução deverá adquirir o caráter local no sentido de que não deverá começar por uma grande concentração de todas as forças revolucionárias de um país em um único ponto; nem adquirir jamais o caráter romanesco e burguês de uma expedição quase revolucionária, mas, surgindo ao mesmo tempo em todos os pontos de um país, terá o caráter de uma verdadeira revolução popular na qual tomarão igualmente parte mulheres, velhos, crianças e que, por isso mesmo, será invencível.

Esta revolução poderá ser sangrenta e vingativa nos primeiros dias, durante os quais se fará justiça popular. Esta característica, contudo, não permanecerá por muito tempo e nunca se tornará um terrorismo sistemático e frio. Ela se oporá às posições e às coisas, bem mais que aos homens, certa de que as coisas e as posições privilegiadas e anti-sociais, muito mais fortes do que os indivíduos, constituem o caráter e a força de seus inimigos.

Começará, pois, por destruir, em toda parte, todas as instituições e todos os estabelecimentos, igrejas, parlamentos, tribunais, administrações, exércitos, bancos, universidades etc., que constituem a própria existência do Estado. O Estado deve ser radicalmente demolido e declarado em bancarrota, não apenas do ponto de vista financeiro, como também dos pontos de vista político, burocrático, militar, judiciário e policial. Tendo entrado em bancarrota, tendo mesmo cessado de existir, incapaz de pagar suas dívidas, o Estado não poderá mais forçar ninguém a pagar as suas, ficando esta preocupação a cargo da consciência de cada um. Ao mesmo tempo, nas comunas e nas cidades, confiscar-se-á, em proveito da revolução, tudo que pertencera ao Estado; serão também confiscados os bens de todos os reacionários e queimados todos os certificados seja de processos, de propriedades, de dívidas, considerando-se nula toda papelada civil, criminal, judiciária ou oficial que não tenha sido possível destruir, ficando cada um no status quo da posse. Assim será feita a revolução social, e os inimigos da revolução, uma vez privados dos meios de prejudicá-la, não precisarão mais ser alvo de medidas sangrentas e severas que poderiam cedo ou tarde provocar violentas reações.

Localizando-se em toda parte, a revolução adquirirá necessariamente um caráter federalista. Logo após a derrubada do governo estabelecido, as comunas deverão reorganizar-se revolucionariamente, escolher chefes, estabelecer uma administração e tribunais revolucionários, edificados sobre o sufrágio universal e a responsabilidade real de todos os funcionários diante do povo. Para defender a revolução, seus voluntários formarão uma milícia municipal. Entretanto, permanecendo isoladas, as comunas não poderão defender-se. Será, pois, necessário propagar a revolução fora delas, sublevar todas as comunas vizinhas e, à medida que se sublevem, organizá-las em federações para a defesa comum. Formarão necessariamente entre si um pacto federal baseado, ao mesmo tempo, na solidariedade de todas e na autonomia de cada uma. Este pacto constituirá a carta provincial. Para o governo nos negócios comuns será necessário um governo [iv] e uma assembléia ou parlamento provinciais. As mesmas necessidades revolucionárias levam as províncias autônomas a se federalizarem em regiões, as regiões em federações nacionais, as nações em federações internacionais. Assim, a ordem e a unidade, destruídas enquanto produtos da violência e do despotismo, renascerão do próprio seio da liberdade.

Necessidade de conspiração e de uma forte organização secreta, convergindo para um centro internacional, para preparar esta revolução.


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